Shafrir e Python 3

Israel entrou em conflito com seus vizinhos árabes várias vezes desde de sua independência em 1948. Em todos estes conflitos, a superioridade aérea mostrou ser decisiva para conseguir vitórias táticas e estratégicas. A doutrina militar israelense considera a manutenção da superioridade aérea como prioridade máxima.

Uma das consequências da experiência israelense foi a percepção da necessidade do desenvolvimento da capacidade de projetar e construir suas próprias armas. A experiência na década de 60 também reforçou este conceito com o embargo de arma feito pela França e mais recentemente com os EUA. Como os mísseis ar-ar são um dos componentes críticos do combate aéreo no jogo da superioridade aérea, os israelenses tiveram que construir os seus próprios mísseis.

Primeira Geração

O primeiro AAM israelense foi o Rafael Shafrir I (dragão voador). O programa foi iniciado em 1959 pela empresa Rafael como um sistema de autodefesa do caça-bombardeiro Vautour que não tinha canhão.

O míssil é guiado por infravermelho sendo equivalente ao AIM-9B Sidewinder americano. A aerodinâmica e configuração de controle eram semelhantes ao Sidewinder, mas são projetos diferentes. A única parte americana é a bateria de 1,5V e o conceito de rollerons de estabilização.

Um membro do programa Sidewinder emigrou para Israel e participou do projeto. O Shafrir 1 usava uma fuselagem mais larga o que dava maior liberdade para projetar componentes e usar um motor e ogiva maior. Os Israelenses sempre procuraram melhorar o original americano.


Linha de produção do Shafrir 1. O Shafrir é um míssil ar-ar de curto alcance guiado por infravermelho. Foi o primeiro míssil produzido em israel. 

O míssil não interceptou nenhum alvo nos testes, que seguiram até 1963, mas mesmo assim a Força Aérea Israelense comprou 200 mísseis em abril de 1962 com entrada em serviço em 1963. Os testes durante o programa foram inadequados. Conseguiu algumas vitórias e mesmo assim era considerado pouco confiável. Havia muitas piadas sobre sua baixa disponibilidade.

Durante a Guerra dos Seis Dias, Israel tinha 30 mísseis disponíveis e só conseguiu uma vitória quando um Mirage IIICJ derrubou um Tu-16 iraquiano. Durante a Guerra de Atrito os Mirage IIICJ conseguiram mais cinco vitórias com o Shafrir MK1 contra os MiG-21 do Egito. O Shafrir 1 foi projetado para acerto direto e não era equipado com espoleta de proximidade nem uma grande ogiva.


Testes de um Shafrir 1. O Shafrir era um míssil de primeira geração.

Segunda Geração

Na década de 60 apareceram novidades tecnológicas que tornaram os mísseis ar-ar viáveis. Assim, em 1961 foi iniciado o estudo de uma segunda versão do Shafrir, chamado de Shafrir 2 (ou Mk2). O desenvolvimento ocorreu entre 1963 e 1969.

As lições da Guerra dos Seis Dias mostraram que o Shafrir 1 tinha desempenho superior ao AIM-9B da época graças à fuselagem mais larga, que aceitava um sensor maior e mais combustível. A ogiva era considerada pequena e o míssil sempre passava longe do alvo. O novo míssil era mais resistente e aguentava curvas de 6g´s. O objetivo era simplicidade e baixo custo com bom desempenho.

Como ocorreu com o Shafrir 1, o Mk2 não era uma cópia do Sidewinder americano, mas um desenvolvimento próprio com conceitos do AIM-9. O novo míssil tinha diferenças significativas na forma, sistemas de controle e instalação interna dos componentes. O Mk2 era maior e mais feio, mas com sensor mais eficiente e ogiva mais potente.

O míssil pesava 93kg, sendo 50kg do motor e 11kg da ogiva. O comprimento era de 260cm e diâmetro de 16cm.

A propulsão era por propelente sólido de base dupla. O alcance prático era 30-35% maior que o AIM-9D (3,5 x 5 km) graças ao motor maior que queimava por 5 segundos. O míssil atingia uma velocidade de Mach 2.5 e o teto era de 18 mil metros.

Além de ser maior que o Mk1, tinha espoleta de proximidade infravermelha ao redor do nariz, maior ogiva e sensor melhorado. O Mk1 deveria destruir por impacto enquanto o Mk 2 poderia passar perto do alvo. A ogiva fragmentada pesava 11 kg sendo 4kg de explosivo. A ogiva era considerada potente. Um piloto egípcio derrubado pelo Shafrir pensou que os Mirage tinham disparado um Sparrow. Israel já tinha mostrado fotos do Mirage com Sparrow falsos nas asas.

O Shafrir Mk 2 era considerado equivalente ao AIM-9E da USAF. Mostrou ser superior ao AIM-9D da US Navy até em disponibilidade. Era considerado mais fácil de usar pois o Sidewinder usava aviso sonoro com varias tonalidades para mostrar a sensibilidade do alvo. O Shafrir Mk2 usava aviso visual de "dispare" ou "não dispare". Quando o sensor sente o alvo ele dá um aviso de áudio e uma luz avisa que pode disparar e geralmente acertava. O míssil usava algoritmo de "lead pursuit", procurando uma posição futura do alvo, com navegação proporcional. Mostrou ter capacidade frontal limitada pois duas vitórias contra MiG-17 foram disparos frontais.

O Shafrir II derrubou mais de 100 aeronaves entre 1968 e 1980 com um índice de acerto (Pk) de mais de 50% graças ao treinamento dos pilotos israelenses. O Shafrir II participou da Guerra de Atrito e da Guerra do Yom Kippur.

O Mk 2 deveria entrar em serviço em 1967. Os teste iniciaram em 1965 e em março de 1967 foi testado contra um MiG-21 que fugiu para Israel em 1966. Esta aeronave passou a ter cores israelenses e ficou de prontidão como interceptador na Guerra dos Seis Dias armado com o Shafrir mas não entrou em combate.

As entregas iniciaram em 1968, mas Israel continuou a comprar mísseis AIM-9B e AIM-9D americanos. Eram baratos, provados em combate e disponíveis em quantidade, enquanto o Mk2 ainda não era produzido. Israel só continuou a produzir o Mk2 após pressão da Rafael e mesmo assim em pequena quantidade junto com as compras do Sidewinder.

A entrada em serviço foi em julho de 1969 nos Mirage IIICJ (Shahak) do esquadrão 117. O Mk2 consegui cinco vitórias ainda naquele mês: dois MiG-21 do Egito em de 2 julho e três sírios em 8 de julho, durante a Guerra de Atrito. A encomenda inicial de 110 mísseis foi aumentada para 200 e a produção foi aumentada de 4 mísseis por mês para 10. Mais quatro vitórias foram obtidas entre novembro de 1969 a janeiro de 1970.

O Sidewinder conseguiu apenas uma vitória com os Shahak em 25 março de 1970 contra um MiG-21 egípcio. O Sidewinder era considerado mais aerodinâmico, com menor arrasto e melhor envelope por usar um sensor refrigerado, principalmente a versão AIM-9D. Mesmo assim, na Guerra de Atrito (terminou em agosto de 1970), o Shafrir Mk2 mostrou ser bem superior conseguindo 13 vitórias em 22 disparos com probabilidade de acerto de 59% (Pk de 59%) além de 3 explosões próximas do alvo sem derruba-los, contra 6 vitórias em 12 disparos do Sidewinder (Pk de 50%) mais quatro explosões próximas.

As operações posteriores não foram tão boas e entre 1970-1973 o Mk 2 conseguiu 4 vitórias em 13 disparos no esquadrão 117. A Guerra do Yom Kippur em 1973 foi outra história. Os Mk2 equipavam o Shahaq e Nesher (versão local do Mirage 5) em quatro esquadrões. Os F-4 Phantom II estavam armados com o Sidewinder e Sparrow. O Mk2 foi disparado 176 vezes com 89 vitórias (Pk de 51%), contra 52,5 vitórias em 132 disparos do Sidewinder modelo D/G (Pk de 40%). O AIM-7 Sparrow derrubou 3 caças em 12 disparos (Pk de 25%). Metade de todas as vitórias neste conflito foram de conseguidas por mísseis ar-ar e as outras com canhão ou "manouvre kill". Deve ser considerado que a maioria dos mísseis que perderam foram lançados longe do envelope (inclui disparo traseiro a 10km do alvo) pois no combate o estresse mental e físico levava a erros. Depois da guerra o Shafrir conseguiu mais duas vitórias sendo uma em 1974 e outra em 1979 contra caças MiG-21.


O Shafrir usava um sensor Cassegrain. As aletas tinham controle pneumático. Usava rolerons como o AIM-9 para estabilização em giro.


O maior diâmetro da fuselagem aumenta desempenho e letalidade com o uso de um motor mais potente. Os israelenses sempre procuraram a simplicidade e por isto o Mk2 era bem melhor, com maior disponibilidade, principalmente o sensor que era problemático na versão Mk 1. Sempre foi considerado melhor que o AIM-9B contemporâneo.


Uma motivo da diferença de desempenho entre os Sidewinder americanos e os Shafrir pode ser devido ao treino. A Força Aérea Israelense sempre deu importância ao treinamento e táticas. O uso da câmera do canhão (gun cam) nos treinos já era usado por Israel há vários anos. A USAF não usava esta técnica até o meio da década de 70. Por isto os americanos tendiam a disparar o Sidewinder fora do envelope. O míssil parecia não funcionar direito com o disparo feito com o aspecto do alvo desfavorável ou com limites do sensor ultrapassados. Na operação Rolling Thunder, 56% dos AIM-9B falharam ou eram disparos mal feitos. Nos treinos os resultados eram melhores. Na operação Linebacker, O AIM-9B foi pouco disparado, o AIM-9E era pouco confiável e o AIM-9J era pouco testado. O AIM-9G atingiu cerca de 40% dos alvos e a maioria devido ao melhor treino e conhecimento do envelope do míssil pelos pilotos da US Navy.

O Shafrir 2 entrou em operação no A-4 SkyHawk, F-4 Phantom II, F-5 Tiger, F-15 Eagle, F-16 Falcon, família Mirage e Super Mystere B2. Foi comprado por Taiwan, Turquia e África do Sul. Foi vendido para vários paises da América Latina onde o EUA não vendia mísseis ar-ar sofisticados. O Shafrir foi comprado pela Argentina, Equador, Honduras, Colômbia e Chile. A Argentina recebeu 348 mísseis Shafrir MK.IV junto com os seus caças Dagger. A Argentina usou o Shafrir 2 de modo incorreto em 1982. Foi disparado a longa distância e não atingiu nenhum alvo, apesar do ar e mar frio darem um bom fundo para o sensor. Em 1985, um Mi-8 da Força Aérea Sandinista foi derrubado por um Shafrir 2 disparado de um Super Mystere B2 Hondurenho.

Os primeiros 60 AIM-9B israelenses foram recebidos em 1968. Israel recebeu outros 200 AIM-9D até 1970. Os primeiros 27 Shafrir Mk2 foram entregues até janeiro de 1970 e um total de 130 até o final de 1971. Um total de 520 foram construídos até outubro de 1973. A produção terminou em 1978, com 925 construídos.

Um total de 250 mísseis foram produzidos até antes da guerra de 1973 sendo que 240 foram disparados entre 1968 e 1973, derrubando 110 caças, danificando 23 (Pk mais de 60%). A USAF enviou mísseis AIM-9E para recompor os estoques. O estoque israelense entre 1967 e 1970 era tão baixo que usaram mísseis R-3S (AA-2 Atoll) capturados.

Esperava-se que o Shafrir Mk2 custasse 4-5 vezes mais barato que o AIM-9B e AIM-9E e daria chance de exportar. Em 1969, Israel comprou o AIM-9B por US$ 2 mil e o AIM-9D por US$ 7 mil. O Shafrir Mk2 custava US$ 20 mil. A estimativa de 1966 era custar US$ 8 mil. Em 1970, o AIM-9D custava US$ 11 mil enquanto o Shafrir mk2 custava US$ 18 mil. Em Janeiro de 1972, o AIM-9D custava US$ 14 mil contra US$ 17 mil do Mk2. Uma fonte cita que o míssil custava US$ 20 mil com dólar de 1983.


Aeronave Casa C-101 chileno equipado com um Shafrir 2. O Shafrir é chamado de Trauco no Chile.


Um Shafrir 2 em um Dagger argentino durante o conflito das Malvinas.



Python 3

Quando o Shafrir 2 entrou em serviço na IDF/AF em 1978, os engenheiros da Rafael iniciaram o desenvolvimento do Python 3, com o objetivo de aumentar a ogiva para melhorar a letalidade. O míssil foi chamado inicialmente de Shafrir 3. O Python 3 é um míssil ar-ar de curto alcance de Terceira Geração com capacidade "all aspect" podendo atacar alvos em rota de colisão. Foi mostrado em público pela primeira vez em Le Bourget em 1981.

A fuselagem foi revisada sendo mais larga que a do Shafrir 2. A nova fuselagem era maior com asas maiores e de maior inclinação. O comprimento é de 295cm, envergadura de 86cm e diâmetro do corpo de 16 cm. O peso é de 120kg com uma ogiva de 11kg acionada por espoleta de proximidade laser ou de contato.

Com um motor maior, o alcance foi aumentado para 15km a média altitude e 5km a baixa altitude. O alcance mínimo é de 500 metros. A velocidade máxima aumentou para Mach 3.5. O míssil é capaz de realizar curvas de 40 g´s. Os israelenses dizem que tem velocidade, raio de curva e alcance superior ao AIM-9L/M Sidewinder.

O novo sensor infravermelho tem campo de visão de +/-30 graus antes do disparo e +/- 40 graus após o disparo. A principal melhoria é a capacidade de rejeitar alvos falsos. É apontado no modo linha de visada, busca autônoma ou apontada pelo radar ou mira no capacete (DASH). Inicialmente pensava-se que o sensor era dos EUA. O míssil tem capacidade de interceptação frontal e combate aéreo e o sensor é sensível o suficiente para interceptar alvos a baixa altitude, helicópteros e aeronaves leves.

O Python 3 foi introduzido em serviço em 1978 na Força Aérea Israelense substituindo o AIM-9G e depois foi substituído pelo Python 4 a partir de 1994. O Python 3 participou da batalha do Vale de Bekka em 1982 conseguindo 35 vitórias contra caças sírios.
O Python 3 foi exportado para a África do Sul, Brasil, Burma, China, Chile, Colômbia, Equador, Romênia e Tailândia. Está operacional no F-4E, F-5E/F, F-15, F-16, Kfir, Mirage III, Mirage V, Mirage 50, Mirage F1, Mirage 2000 e MiG-21.

A China fabrica o Python 3 localmente chamado de PL-8 que entrou em serviço em 1990 nos caça-bombardeiros JH-7, J-7, J-8 e Q-5. O desempenho do Python 3 no Líbano chamou atenção dos Chineses que pagaram US$500 milhões para compra de 1500 mísseis e a abertura de uma linha de produção no em Xian em 1989. A China conseguir alguns AIM-9L para comparar e acharam o Python superior. O PL-8 tem alcance mínimo de 500m, máximo de 15km, altitude máxima de 20km e velocidade superior a Mach 2.5. A ogiva tem raio letal de 13 metros. A China desenvolveu a versão naval PL-8H e depois o PL-8B com sensor melhorado.

Em 1983 foi mostrado uma versão superfície-ar (SAM) montado em um lançador móvel com quatro mísseis e uma unidade de controle e um container.


A FAB adquiriu um lote de 120 mísseis Python 3 israelenses em 1998 até o MAA-1 Piranha entrar em operação. Os Python 3 armam os F-5E/F e equipavam os Mirage III da FAB. O Python 3 tem um superfícies canard e cauda bem grandes. O rollerons aparecem soltos na cauda.

Python 3
Um Mirage IIIEBR da FAB equipado com o Python 3.

Python 3
A África do Sul comprou o Python 3 equipando seus Mirage F-1AZ no fim da Guerra de Fronteira com Angola para tentar nivelar a superioridade dos MiG-23ML armados com o AA-8 e AA-7 contras os Mirage armados com o Kukri e Darter sul africanos. O Python 3 foi chamado de V3S Snake na África do Sul.

Snake
Um Python 3 sendo disparado de um Cheetah sul africano. Durante estes testes em 2005 foram disparados 40 mísseis com todos acertando os flares alvos.


O Python 3 equipa os MiG-21 LanceR Romenos.


Os Phython 3 equipavam os Kfir Israelenses e agora armam os Kfir Colombianos.




Closes dos testes do Python 3 a partir de um F-4E Phantom II israelense.

Python 3 Python3
Foto do disparo do Python 3 por um F-5E do 1º/14º GAV  durante a operação “Fox Two” entre os dias 12 e 16 de setembro de 2005. Os alvos eram flares lançados de helicópteros. Todos os mísseis acertaram os alvos. Os Mirage e F-5 dispararam 10 mísseis em 2004. O Mirage disparou o primeiro Python 3 em 2001.

Phyton 3
Os F-4 israelenses podem levar o Python 3 em um lançador adaptado no cabide do Sparrow.


Família de mísseis ar-ar israelenses. De baixo para cima: Shafrir 1, Shafrir 2, Python 3, Python 4 e Derby.

Atualizado em 30 de Janeiro de 2007

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