Simulação e Defesa: tentando equilibrar o jogo

por Diógenes Lima Neto - Cap. Int.*

Introdução

"Se você conhece o inimigo e conhece a si mesmo, não precisa temer o resultado de cem batalhas".  Com esta frase, escrita há mais de 2.500 anos, Sun Tzu, o autor de A Arte da Guerra e um dos mais temidos generais do reino chinês de Wu, na antigüidade,  expunha a extrema necessidade do conhecimento completo no campo de batalha para se antever os seus possíveis desdobramentos.

Hoje em dia, novos complicadores foram adicionados ao contexto geral atual, mas a sabedoria desta frase permanece. Dentre os complicadores modernos mais evidentes, podemos destacar:

· restrições de orçamento quanto à aquisição, desenvolvimento e/ou treinamento das forças militares;

· aumento do poder da opinião pública sobre o início, a continuação , ou término dos combates;  e

· dificuldade de se acompanhar a evolução tecnológica militar dos países mais ricos.

Assim, fica evidente que é cada vez mais premente a necessidade de se ter conhecimento antecipado de nossas ações no campo de batalha e, principalmente, de suas  possíveis conseqüências. Ainda citando Sun Tzu, "os bons guerreiros de antigamente primeiro se colocaram fora da possibilidade de derrota".  Segundo ele, isto decorria do fato de que "a garantia contra a derrota implica táticas defensivas".

Neste intuito, dada a extraordinária evolução tecnológica, computacional e militar, de nossos dias, uma das formas mais efetivas e baratas de se conseguir antecipar atos e conseqüências num determinado cenário de batalha é, com certeza, o uso intensivo de simulação por computadores.

E o que simularíamos para conhecer nossas forças militares? Provavelmente, o que nos fosse mais crucial. No caso brasileiro, dada a imensidão de nosso território nacional e a precária  malha terrestre de transporte (rodovias, ferrovias e hidrovias), torna-se evidente que, militarmente falando, uma resposta armada, a tempo, contra qualquer tipo de ameaça, deveria ser dada, primariamente, através do emprego de um poder aéreo de dissuasão eficiente.

A este primeiro aspecto, poder aéreo de dissuasão eficiente, soma-se um segundo aspecto não tão evidente: o fator alerta.  Afinal de contas, é impossível reagir a uma ameaça se não soubermos que estamos sendo ameaçados. A maneira mais usual, desde a 2ª GGM, de se conseguir alcançar este fator é através do emprego de radares, dos mais diversos tipos e finalidades.

Decorrente deste segundo fator, desde meados da década de 60, um terceiro aspecto tornou-se deveras importante: a Guerra Eletrônica. A fim de se anular a força tática dos radares, diversos dispositivos de anulação e dissimulação foram criados. Surgiram novos termos e tecnologias, como: Contramedidas eletrônicas, Contra-Contramedidas Eletrônicas, Medidas de Apoio à Guerra Eletrônica, Inteligência de Sinais  e outros.

Conforme podemos ver, então, no caso brasileiro, uma força aérea armada e eficiente, apoiada por dispositivos de alerta e de Guerra Eletrônica adequados, tornam-se cruciais para a composição de nossas defesas primárias.

Assim, a proposta deste artigo é mostrar que, através da simulação do emprego de nossos vetores de guerra aérea, apoiados por outros sistemas inerentes, pode-se avaliar, com um bom grau de precisão, as possibilidades de sucesso de nossas missões em situações de treinamento e/ou reais. De posse disto, tornar-se-á possível um emprego mais eficiente destes vetores, através da utilização destes em cenários que lhe sejam mais favoráveis, ou, pelo menos, da forma mais adequada, tornando factível um emprego mais poderoso da Força Aérea.
 

Mas, o que é simulação?

Para responder a esta pergunta, poderíamos recorrer a diversos autores e dicionários, mas, no que tange ao assunto de nosso interesse, Jerry Banks, em seu livro "Handbook of Simulation", traz uma definição de simulação bastante esclarecedora: "Simulação é a imitação da operação de um processo ou de um sistema, do mundo-real, incluindo a própria passagem do tempo. Simulação envolve a geração de um histórico artificial do sistema e a observação daquele histórico artificial para se fazer inferências relativas às características de operação do sistema real, que está sendo representado."

Como se vê, pela definição do mestre, não se faz uma simulação por nada: dados devem ser recolhidos daquela simulação e análises devem ser feitas sobre os resultados obtidos.

No nosso caso, queremos, com um certo grau de certeza, simular comportamentos dos elementos que inseriremos em nossa simulação (aeronaves, radares, mísseis, etc.) e, a partir de ações e reações já previstas para estes elementos, provocarmos interações entre estes elementos justamente através dos seus processos  comuns de interação. Assim, ao término destas interações, poderemos fazer as mais diversas análises sobre os resultados que obtivermos.
 

Vantagens do uso de simulações em atividades militares

 O uso de simulações em operações militares apresenta muitas e óbvias vantagens, mas citemos algumas:

1. economia de recursos financeiros, pessoais e materiais;

2. possibilidade de avaliação de técnicas e táticas de combate, melhorando-os e tornando-os mais efetivos;

3. análise de viabilidade de missões e operações, evitando-se ao máximo, assim, missões "suicidas";

4. análise de impacto financeiro de operações;

5. análise de efetividade de novos e/ou antigos armamentos (aeronaves, radares, etc.);

6. análise de capacidade de sobrevivência de vetores aéreos, bem como de sua tripulação;

7. análise de suscetibilidades;

8. treinamento efetivo da tropa em cenários prováveis, melhorando sua operacionalidade; e

9. melhora do poder de avaliação e decisão dos comandantes.

Obviamente, as vantagens não estão esgotadas pela lista acima. Talvez a maior vantagem, e não citada ainda, seja o fato de que, através do uso de simulações, o Alto Comando tenha condições mais palpáveis de argumentar com as autoridades civis, se tais e quais operações podem e devem, ou não, ser realizadas e porque.

Note-se, ainda, que não precisamos ficar presos ao conceito de operações em tempo de guerra. Operações em tempo de paz também estão no escopo deste nosso artigo, sobretudo quando temos um cenário crítico advindo com as operações realizadas pelo narcotráfico e suas perigosas ligações com grupos para-militares de países vizinhos.
 

Níveis de Simulação

As simulações de defesas representam o dinamismo do combate, ambientes virtuais de futuros campos de batalha  e importantes abstrações militares. Elas têm sido amplamente utilizadas para ensaio de missões, treinamento militar, avaliação de poderio e aquisição de armas. Mais importante: elas fornecem aos militares um laboratório para realizar experimentos de combate, e desta forma, garantido-lhes um alto grau de garantia e confiança necessárias para o sucesso em suas operações.

As simulações mais efetivas são aquelas que provêem abstrações específicas do domínio, no nível de granularidade que pode ser imediatamente entendida por aquela comunidade de usuários.

A figura 1 mostra as abstrações de modelagem em seus diversos níveis/domínios. São eles:

· Nível de Teatro/Campanha;

· Nível de Batalha/Combate;

· Nível de Engajamento; e

· Nível de Engenharia.


Fig. 1 - Níveis de abstração [1]

No nível mais baixo está o Nível de Engenharia, o qual modela e simula dinâmicas de batalha de sistemas individuais de armas, como baterias de mísseis SAM.

O nível seguinte, acima, é o Nível de Engajamento, o qual modela engajamentos um-para-um, ou muitos-para-muitos, entre entidades do nível de Engenharia. Estes engajamentos muitos-para-muitos estão limitados a engajamentos entre plataformas em grupos de pequena escala.

Acima deste nível está o Nível de Batalha/Combate, que modela as múltiplas dinâmicas de engajamento da plataforma.

No nível mais alto, o Nível de Teatro/Campanha modela as dinâmicas de múltiplas missões ou combates.
 

Ferramentas utilizadas

As ferramentas utilizadas para se levar a termo uma boa simulação vão depender muito dos objetivos da simulação que estamos pretendendo efetuar, bem como dos tipos de resultados que pretendemos obter, pois, é sempre bom lembrar, não se faz uma simulação, sobretudo militar, apenas pela simulação em si. Há toda uma coleta de resultados ao longo da simulação e que, posteriormente, serão exaustivamente examinados e confrontados com dados reais (preferencialmente).

Desta forma, há toda uma gama de "softwares" que podem ser utilizados. Dentre eles, há os que podem ser especialistas, ou seja, específicos para simulação, como: Arena, Simprocess, Simscript, Enterprise Dynamics, Simplex 3, etc. Estes sistemas, em sua maioria, contêm, inclusive, todo um aparato para animação das referidas simulações, ou seja, não se prendendo apenas à execução dos processos em si, mas também a uma visualização dos mesmos por parte do usuário.

Há, também, a possibilidade de se utilizarem outros "softwares", inclusive os de programação tradicionais, como Delphi, Visual Basic, Java, Visual C++, etc. A estes sistemas, podem-se agregar componentes de terceiros ("plug-ins") voltados para simulação. É o caso do Delphi e dos componentes baseSim®, da SolutionsBase Ltd (http://www.solutionsbase.co.uk ), e do JavaSim®, para Java, obviamente.

Por fim, há a alternativa muito interessante de se utilizar "softwares" de programação para jogos. Conforme o tipo de simulação que se pretende, estes sistemas podem se mostrar deveras atraentes, posto que apresentam diversas características "de fábrica" muito interessantes e que facilitam e agilizam o desenvolvimento do trabalho, como: detecção de colisões, facilidade de programação, geração de executáveis, acessos a DLL's, manipulações/visualizações 3D (terrenos, câmeras, luzes, sombras, etc.), geração de arquivos de dados, facilidades de interação com o usuário, entre outras coisas. Entre estes, destacaria: DarkBasic, 3DRAD, GamesBasic, BlitzBasic, para os casos em que se necessita de imersão e/ou de visualizações em 3D; para os casos de simulações tático/estratégicas de engajamentos, em que ambientes 2D se mostram adequados, citaria o caso do Game Maker que, bem utilizado, pode se mostrar bastante útil. Uma vantagem digna de nota para estes tipos de "softwares" é que boa parte deles ou é gratuita, ou é  até 1/100 (um centésimo) do preço dos "softwares" especialistas.
 

SEAxM: Simulando Estratégias de Combate

 A simulação de combates, sejam eles terrestres, aéreos ou marítimos, é muito mais do que implementar componentes que "atiram" e/ou "morrem".  Há todo um fundamento matemático que tem de ser levado em conta, sob pena de tornar este tipo de simulação um mero "jogo para crianças".

Aspectos como escala do ambiente, relações entre tempo real e no simulador, alcance das armas envolvidas, vulnerabilidades, suscetibilidades e probabilidades diversas, entre outros, têm de ser calculados a "priori", ou mesmo em tempo de execução. Se for uma simulação em rede e em tempo-real, outros cuidados mais sutis têm de ser tomados, como comunicação de eventos, concorrência, isolamento, coerência e durabilidade, para citar apenas alguns.

Para que tudo isto seja possível, todo um "framework" dos componentes, bem como do ambiente, tem de ser levantado e estabelecido com extremo cuidado, pois o excesso de granularidade pode tornar a simulação muito lenta e, consequentemente, impraticável. Daí a extrema importância, como em qualquer outro sistema, da correta e precisa definição dos objetivos da simulação que está sendo implementada. Uma simulação de caráter estratégico é totalmente diversa de uma de caráter operacional: cada uma vai requerer níveis diferentes de granularidade.

O SEAxM (Simulador de Embate Aeronaves Versus Mísseis), fruto de uma tese de mestrado, deste autor, junto ao ITA, pretende, justamente, a partir de determinados dados de nossos vetores de ataque, bem como dos sistemas de defesa aérea inimigos e sua disposição no terreno, simular, em nível de engajamento, o combate destes elementos dispostos num cenário e, a partir dos resultados compilados, traçar uma melhor estratégia de ação, onde a probabilidade de sucesso da missão seja a desejada.

Com este tipo de simulação, diversos cenários podem ser testados, tanto em termos de situações "what-if", como em termos de análises de combates já ocorridos, possibilitando que vidas e equipamentos sejam poupados antes e que aprendizados sejam possíveis depois das missões.


Na Figura 2, podemos ver uma situação em que um único vetor, amigo, está prestes a destruir um alvo-móvel, inimigo, além de suas linhas de defesa. O círculo azul, ao redor de nossa aeronave, faz as vezes de raio-de-efetividade de suas CME, ao passo que os círculos maiores são os raios de ação dos sites SAM inimigos com seus radares de vigilância. Desnecessário dizer que, nesta simulação, em sua versão beta 4, foram tomadas as formas geométricas mais simples possíveis para fins de se testar a viabilidade de se utilizar a ferramenta escolhida.

Outro detalhe, que deve-se salientar na Figura 2, é que, para fins de clareza da  figura, excluiu-se o fundo ("background"). No entanto, qualquer fundo pode ser incluído no cenário, dando, inclusive, maior realismo à simulação corrente, conforme pode-se perceber na Figura 3, a seguir.


Fig. 3 - Tela do SEAxM mostrando aeronave amiga que acabou de decolar de sua base em direção ao alvo-móvel inimigo. A base está, propositalmente, fora de escala.

No SEAxM, uma série de eventos foram levantados e implementados e, conforme cada um deles  vai ocorrendo, parâmetros de controle da simulação vão sendo atualizados. Há eventos que devem ser registrados em  "log" e outros específicos para controle da finalização da simulação. Quando isto ocorre, arquivos-históricos foram criados e algumas análises podem ser feitas de imediato.

Na implementação da versão beta 4, algumas dificuldades na implementação, previstas, foram enfrentadas. As mais imediatas foram:

- problemas da relação de distâncias reais e da tela do computador. Assim, com base nos alcances dos diversos elementos envolvidos, imaginou-se um cenário de 200 x 87,5 Km, projetado sobre uma tela, inicialmente, de 1600 x 700 pixels.

- problemas de tempo real x tempo simulado. A ferramenta utilizada permite a alteração do "time step". Inicialmente, está-se utilizando 30 steps/s.

Muito cuidado tem de ser tomado com o problema do tempo, pois ele reflete, diretamente, no problema das velocidades dos artefatos móveis do cenário, como aeronaves e mísseis. Sem este cuidado, as respostas obtidas destoarão da realidade.

Outra dificuldade óbvia, mas de resolução muito mais complexa, diz respeito a modelos matemáticos de combate realísticos, bem como modelos táticos empregados pelo inimigo, pois isto envolve especular sobre o comportamento do adversário que está no comando dos artefatos inimigos. Para se resolver este problema, por enquanto, está-se assumindo um comportamento determinístico por parte do inimigo. Claro está que, num futuro próximo, este problema será atacado, inclusive com a utilização de técnicas de IA (Inteligência Artificial). Mas daremos um passo de cada vez.
 

Conclusões

 Conforme pudemos perceber pelo exposto até aqui, a simulação aplicada à avaliação de cenários de combates é uma possibilidade real e vantajosa. Além de milhares de vezes mais barata do que uma avaliação real em campo, se bem feita, ela nos dará valiosas informações sobre nossa situação real de combate.

Está-se trabalhando na confecção de um simulador de nível de engajamento, onde pretende-se que, uma vez estabelecido um "framework" mínimo, o simulador SEAxM venha a evoluir para incluir outros artefatos, como: aeronaves inimigas, tanques, helicópteros, navios e submarinos, além de poder ser utilizado em aplicações civis, como controle de tráfego aéreo, transportes terrestres, etc.

Países do primeiro-mundo, como EUA e França, já possuem, há muito tempo, simuladores deste tipo. A França, por exemplo, desde o final de 1996 possui o Octopus, um software de simulação tático-estratégica que possibilita, inclusive, acoplamento com mísseis Exocet para simulações mais realísticas. [2]

Os norte-americanos, por sua vez, têm diversos sistemas de simulação de combate, sendo um dos mais notáveis o JTLS ("Joint Theater-Level Simulation"), que é um modelo de jogo de guerra de larga escala, que inclui operações terrestres, aéreas e navais. Mais de 300 usuários podem participar em um único cenário do JTLS, simultaneamente. Várias agências utilizam este software, onde destacamos: "Joint Warfighting Center", "NATO SHAPE Technical Centre", "Army War College" e "Naval Postgraduate School".[3]

Desta forma , fica claro que, a simulação de combates é algo extremamente útil. Ao conseguirmos, de forma efetiva, implementar o simulador por nós proposto,  estaremos, de alguma forma, equilibrando o "jogo".
 



* Oficial da Força Aérea Brasileira. Pós-graduado em Análise de Sistemas pela PUC-RJ. Mestrando em Ciência da Computação pelo ITA. Tese:"Simulação de Embate Aeronave versus Mïsseis".

Referências:
[1] Sang Yeong Choi; Wijesekera, Duminda., "The DADSim air defense simulation environment ", High Assurance Systems Engineering, 2000, Fifth IEEE International Symposium on. HASE 2000 , 2000. Págs: 75 -82
[2] - Szdat ,Samuel, "Simulation: un champ de bataille virtuel", Revue Aerospatiale, nº 138 - Mai 1997.
[3]  - Banks, Jerry, "Handbook of Simulation", Ed. John Wiley & Sons, 1998.


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