Defesas Aéreas Contra Aeronaves Furtivas

Até hoje só os Sérvios conseguiram engajar aeronaves furtivas com sucesso. Sendo muito mais bem treinados e capazes que os iraquianos, eles colocaram em prática o que existe no estado de arte sobre táticas de defesa aérea, mesmo com limitações de recursos e dificuldade de conseguir peças de reposição.

Um sistema de defesa aérea tem três sistemas inter-relacionados

- Um sistema de vigilância que faz busca de volume
- Um sistema de controle de tiro que acompanha e identifica o alvo, criando um ponto futuro para guiar armas
- Um sistema de destruição que leva uma arma próximo ao alvo para acionar a espoleta

Os três sistemas são controlados por um sistema de Comando e Controle (C2). Se cada um tem 50% se sucesso então o sistema todo chega a 12,5% de probabilidade de destruir o inimigo (Pk). Se o operador quer um Pk de 50% então cada fase tem que ter sucesso em 80% que o inimigo entra dentro do raio de ação do sistema.

Além de ser capaz de detectar o inimigo um sistema de defesa aérea também tem que:

- Sobreviver a ataque direto
- Sobreviver a contramedidas eletrônicas, táticas e vôo baixo realizados pelo inimigo
- Funcionar em qualquer tempo e contra ruído de fundo.

A furtividade melhora a efetividade contra os três. Se não funciona vai pelo menos diminuir a distância de funcionamento, como enfraquecer a capacidade de lidar com ruído de fundo ou contramedidas eletrônicas inimigas.

A reação pode ser uma antena maior e mais potente que passa a ser alvo o ideal para os meios de supressão de defesas SEAD. Uma antena grande também diminui a mobilidade. Aeronaves de alerta antecipado não podem ter uma antena grande e os mísseis também tem limitações de tamanho. As aeronaves furtivas ainda podem reagir voando baixo ou lançando armas de longo alcance.

Os radares VHF são bons para detectar aeronaves furtivas e são baratos, mas são ruins para detectar aeronaves voando baixo e com apoio de contramedidas eletrônicas. Sem um radar de microonda para guiar mísseis e com a pouca precisão dos radares VHF, um míssil SAM precisa de um datalink para se aproximar da área aproximada do alvo e continuar o ataque com sensor própria a curta distância.

A USAF testou o F-117 contra aeronaves E-3 Sentry, F-15 e baterias de mísseis Hawk além de outros sensores. A capacidade de sobrevivência do F-117 não era ameaçada por detecção ocasional ou acompanhamento esporádico. A defesa aérea para ter sucesso tem que detectar, acompanhar e destruir alvos continuamente. Isto é muito difícil contra aeronaves furtivas como o B-2 e F-117 com sistemas convencionais.

A História do F-117A Nighthawk Derrubado

O F-117 não é totalmente invisível ao radar. Apesar de ter um RCS de reflexão estática do tamanho de excremento de pássaro, se ele se aproximar de um radar acabará sendo detectado, mas a curta distância.

Ele pode ser detectado por sistemas de radar de vigilância, que operam na banda D/E (banda L), mas é mais difícil de ser detectado pelos radares de acompanhamento e controle de tiro operando na frequências maiores na banda I/J (banda X).

Os radares de vigilância mostram uma visão geral da área ao redor do operador e indicam onde os radares de rastreio devem ser apontados para guiarem mísseis e canhões. Então, o F-117 pode ser visto pelos radares de vigilância, mas é um péssimo alvo para os radares de acompanhamento. O operador pode ver o alvo, mas terá dificuldade de trancar seu radar de rastreio e conseguir destruir o alvo.

Com uma combinação de táticas inteligentes, bom senso, habilidade do operador, aprendizado rápido e sorte, os iugoslavos conseguiram derrubar o F-117A Nighthawk #82-806, apelidado de "Something Wicked", com codinome VEGA-31, com um sistema de mísseis da década de 1960.

Operado a partir da base aérea de Aviano na Itália, os F-117 voavam missões ofensivas noturnas à média altitude entre 5 e 8 mil metros. É perto o suficiente para lançar bombas com precisão, mas fica no alcance da maioria dos mísseis antiaéreos da Iugoslávia.

Na quarta noite da guerra de Kosovo, em 27 de março de 1999, por volta das 20:15, um F-117 estava voltando para a base, após lançar pelo menos uma bomba de 900kg guiada a laser em um alvo bem defendido em Belgrado. Repentinamente, um míssil antiaéreo Neva-M (SA-3 Goa) voando a três vezes a velocidade do som, com alcance de 25km, e guiado por uma rede improvisada de radares explodiu a poucos metros da aeronave, fazendo-a mergulhar. O disparo foi a cerca de 13km. A ogiva de 60 kg foi projetada para detonar a 7 m do alvo. O piloto ejetou logo depois de sentir uma força de gravidade negativa de até 5G's, próximo à vila de Brudjanovici, a 70 km de Belgrado.

Os iugoslavos atingiram o F-117 com uma bateria de mísseis do Terceiro Batalhão da 250a Brigada de Mísseis (250. Raketna Brigada PVO - JRViPVO). Os mísseis SA-3 tem nomes de mulheres escritos na fuselagem e os Tanja, Ivana e Natalija foram reconhecidos como disparados. Este batalhão conseguiu danificar outro F-117A no dia primeiro de maio de 1999.

Em um documentário para de uma estação de TV da Sérvia em 2000, o Coronel Zoltan Dani, comandante do batalhão na época, disse que o alvo foi detectado numa azimute de 195 graus. A sequência foi automática como treinado e o engajamento durou menos de 18 segundos.

A terceira bateria fazia controle de emissões para sobreviver e usava radares P-18 VHF de modo mais liberal por ser imune aos mísseis HARM e ALARM da coalizão sendo o principal recurso para operar. Faziam comunicações até com mensageiros a pé. A bateria tinha quatro lançadores quádruplos e mudava muito de lugar. Rodou cerca de 100 mil km em 78 dias.

Radares franceses, russos e chineses de baixa freqüência e o E-2C Hawkeye podem acompanhar o F-117 a distâncias de até 180km. Os sérvios tinham radares de baixa freqüência Spoon Rest e Tall King modernizados. A Royal Navy detectou  F-117 a cerca de 100km com radares navais da década de 1960 durante a Guerra do Golfo em 1991 assim como os radares franceses operados pelo Iraque. 

O VEGA-31 cometeu erros básicos, como voar na mesma rota várias vezes, dia após dia, seguindo rotas de outros F-117 e tornando seu caminho previsível. Três radares de alerta antecipado / vigilância de fabricação russa P-12 (Spoonrest) que trabalham em baixa frequência (147-161 MHz) foram deixados intactos e plotaram o vôo do F117.

Os três radares trabalhavam em uníssono para triangular a posição do caça. Os iugoslavos usaram computadores para rastrearem o fraco sussurro de retorno de radar do F-117. Não se sabe como conseguiram determinar a altitude da aeronave e os mísseis podem até ter sido disparados, balisticamente, sem controle nenhum após o disparo.

Os iugoslavos moveram baterias de SA-3 para o local certo e usaram uma combinação ideal de radar e guiamento ótico para lançar quatro mísseis contra o F-117. O SA-3 modernizado localmente não foi lançado de modo normal, usando seu radar para fazer pontaria, para evitar mísseis anti-radiação.

Em 1998, a empresa iugoslava SDPR anunciou uma modernização do S-125-Pechora (SA-3) e do 2K12 Kvadrat (SA-6). A modernização incluía a adição de câmeras de imagem térmica e telêmetros laser no sistema de controle de disparo do S-125 para o míssil ser lançado sem a aquisição inicial com o radar RSN-125 (Low Blow). Dados podem ser alimentados no sistema por outros radares.

O alcance do sistema ótico do SA-3 é tido como 25 km em condições ideais. Um deles explodiu próximo do F-117, tendo, provavelmente sido detonado por controle de rádio. O piloto informou que os danos no sistema de controle de vôo tornou a aeronave impossível de voar.

Radar P-12 Spoonrest. O primeiro alvo atingido durante a Guerra do Golfo em 1991 foi uma base de radares Spoonrest e Flat Face atacados por helicópteros AH-64 Apache. Por esta brecha passaram os F-117 que atacaram Bagdá. O radar P-12 (1RL14) é um radar VHF móvel que opera junto com as baterias de mísseis SA-2 e SA-3. Opera na banda de 30 a 300 MHz e 147-161 MHz. O alcance efetivo é de 200-275 km

Radares móveis russos P-12 Spoonrest camuflado (a esquerda) e Flatface (a direita).

Existem suspeitas que os franceses tenham passado informações sobre o horário de saídas e alvos dos ataques aliados e o mesmo podia ser feito com um observador na cabeceira da pista, o que torna relativamente fácil prever o horário de passagem das aeronaves.

Agentes na Itália podem ter visto o F-117 decolar, fazendo prever o tempo em que chegaria a Belgrado. Com essas informações, os operadores de radar saberiam quando e onde procurar a aeronave. Vários pilotos informaram que os Sérvios lançaram salvas de mísseis sem guiamento (2/3 do total de mísseis lançados eram balísticos), sugerindo que usavam táticas com dados de guiamento mínimos para lançar mísseis.

O Vega-31 também tinha lançado uma bomba guiada a laser próximo de Belgrado há pouco tempo e as defesas estavam alerta. Existem suspeitas que o F-117 possa ter voado abaixo de 3.000m e ser atingido pela artilharia antiaérea. Outra falha foi a incapacidade dos RC-135 Rivet Joint de reconhecimento eletrônico de detectarem emissões de radar na região.

Também havia escolta de F-16CJ de supressão de defesa próximos, mas eles foram desviados para combater outra ameaça. Eles poderiam ter dissuadido os sérvios a ligarem seus radares. OS EA-6B estavam operando muito longe da região e (mais de 150km) e não puderam interferir nos radares com eficiência, seja pela baixa potência das interferências ou por mau alinhamento com a ameaça.

As nuvens densas daquela noite podem ter tido um papel importante ao fazer o jato negro mostrar sua silhueta contra o céu cinza a partir do brilho do fogo antiaéreo no solo.

Nas guerras passadas, as luzes da cidade eram apagadas durante um bombardeio noturno. Agora elas podem ser fonte de luz para detecção de aeronaves furtivas que, de qualquer forma, podem enxergar facilmente a noite.

Também existem suspeitas que os chineses estavam ajudando os iugoslavos com um sistema PCL que estaria instalado na embaixada chinesa. Este pode ter sido um dos motivos para o ataque por engano da embaixada. Estações de TV e rádio em Belgrado foram atacados pelo mesmo motivo. Os ataques as centrais elétricas também tinham o objetivo de cegar os iluminadores.

O F-117 tem um histórico de cerca de 2.100 surtidas de combate com uma única perda. Com uma taxa de perda de 0,047 % ele está bem abaixo das perdas de outras aeronaves no Golfo e no Kosovo, e se for considerado que só voa contra alvos muito bem defendidos as estatísticas têm um sentido ainda melhor.

Buracos na estrutura dos destroços mostrava que ouve uma explosão próxima. Outro F-117 foi danificado por outro míssil. Mais de 5-10 aeronaves da OTAN foram atingidas com outro F-16 derrubado. Os Sérvios dispararam cerca de 600 mísseis SAM com um "kill rate" de 0,3% (2 aeronaves com 600 disparos) sendo que a OTAN teve um total de atrito de 0,01% com duas perdas em 20 mil saídas. 

O piloto foi resgatado algumas horas depois e mostrou ser mais furtivo que sua aeronave ao evadir-se do maior rastreador de todos os tempos: um cachorro. Um problema das aeronaves furtivas é que também é invisível aos amigos o que pode ser problema em caso de ejeção pois não sabe onde buscar o piloto.

Presa de guerra. O canopy do F-117 número 82-0806 derrubado na Iugoslávia e mostrado num museu aeronáutico. O F-117 derrubado não foi atacado pois as peças foram consideradas muito difíceis de duplicar por engenharia reversa. Apenas irão descobrir de que são feitas. A tecnologia já é considerada conhecida.  


Conclusão

A redução do RCS de aeronaves furtivas é difícil de conter. Melhorias nos radares devem demorar muito para alcançar o desempenho necessário contra aeronaves convencionais e para igualá-los contra aeronaves furtivas. Ganhar o jogo do radar permanecerá o centro das operações do futuro. Uma aeronave furtiva pode até ser detectada mas, dificilmente, será rastreada e o inimigo terá muito pouco tempo para conseguir disparar suas armas.

As ameaças da defesa aérea têm aumentado no século XX e permanecerá assim no século XXI.  Devido às suas peculiaridades, a tecnologia furtiva poderá perder a briga da detecção, mas podem ganhar a briga da aquisição e pontaria final.

As novas tecnologias antifurtivas podem fazer as aeronaves furtivas usarem novos projetos ou táticas de evitamento de ameaça e mascaramento do terreno. Assim como aparece uma contramedida para cada ação do inimigo, logo aparece a contra-contramedida. As armas anti-radares podem fazer parte permanente do armamento e os radares de vigilância seriam a prioridade nos primeiros dias de uma campanha aérea.

A tecnologia furtiva também não é o único meio de escapar às defesas aéreas inimigas. O avião espião SR-71 usava velocidade, altitude e furtividade para ter capacidade de sobrevivência maior que o B-2.

De qualquer forma, os sistemas antifurtivos, principalmente, se usados em conjunto, estão demonstrando serem uma ameaça séria à tecnologia furtiva atual.


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