Aeronaves Furtivas

Segunda Guerra Mundial

Em 1941, os britânicos já começaram a estudar técnicas para diminuir o RCS das aeronaves. Queriam que o RCS fosse igual ao ruído de fundo. Os cientistas pensavam que aumentar a resistividade da aeronave iria causar um curto circuito na onda de radar, mas funcionaria apenas em uma certa freqüência. A idéia não passou da teoria. Somente na década de 1960 que os britânicos voltaram a estudar a furtividade das aeronaves com técnicas da forma.

Sem intenção, o DeHavilland Mosquito era feito predominantemente de madeira o que dava algumas características furtivas. Foi relativamente bem sucedido contra os radares da Segunda Guerra, mas ainda usava a velocidade e altitude para sobreviver. A madeira, e por extensão os materiais compostos, não são transparentes ao radar, embora sejam bem menos refletivos que o metal. A transparência simplesmente amplifica os componentes escondidos pela cobertura externa como os motores, combustível, aviônicos, sistemas elétricos e hidráulicos e tripulantes.

Os irmãos Walter e Reimer Horten tentaram criar uma aeronave furtiva em 1943. O Ghota Go.229 era uma asa voadora a jato que atingiu mais de 1000km/h. Usavam material composto feito de camadas de sanduíche com carvão vegetal granulado e serragem no centro para absorver a energia do radar. A aeronave não entrou em operação.

Stealth Go229
Ghota Go.229.

Os alemães tinham um requerimento em 1944 para um bombardeiro com alcance de 11.000km com carga de 4.000kg para atacar Nova York e voltar sem reabastecer. Cinco companhias submeteram propostas mas nenhum conseguiu atingir o alcance para ser o Amerika Bomber. O segundo turno de propostas também não alterou os resultados. Quando os Hortens souberam dos requerimentos  proporam a asa voadora XVIII. Testaram várias variantes e a definitiva teria seis turbojatos Jumo 004B. Para diminuir peso, o trem de pouso seria ejetado após  decolagem e pousaria com auxilio de esquis. Também decolaria com ajuda de foguetes. A aeronave seria feita de madeira e poderia ter um baixo RCS. Ao mostrar o projeto para outras companhias, elas quiseram instalar uma cauda vertical e transferir os motores de dentro das asas para cabides debaixo das asas. O arrasto aumentaria e o alcance diminuiria. O trem de pouso não seria ejetado aumentando o peso. O projeto não foi adiante.

Stealth
Horten XVIII.

Aeronaves a Jato

A era furtiva moderna começou no início da década de 1950 quando foram testadas coberturas de borracha com partículas de alumínio ou ferro para diminuir o RCS frontal. O RAM foi testado em algumas aeronaves como o U-2 para proteção contra ameaças específicas. O RAM foi testado até nas bordas de ataque da asa do Vulcan britânico. Na época a prioridade ainda era o desempenho como a velocidade e/ou altitude no U2 e SR-71.

Na década de 1960, a velocidade e altitude mostraram ser insuficientes para contrapor as ameaças dos mísseis SAM. A USAF lançou um requerimento para uma aeronave de reconhecimento de grande altitude em 1953 que tinha requerimento de projeto de baixa detectabilidade e que não teria rádio de longo alcance para diminuir as emissões. O objetivo era penetrar as IADS russas. Concorreram o Lockheed CL-282 (U-2) e o Martin 294 (RB-57D).

A primeira tentativa de aumentar a capacidade de sobrevivência foi com o U-2. A aeronave voava muito alto, a cerca de 24 mil metros de altura, e era fácil de detectar, mas difícil de interceptar. Era praticamente um planador a jato. Realizou missões de espionagem bem dentro do território Soviético entre 1956 a 1960 até ser derrubado por um míssil SA-2. O míssil não conseguiu um acerto direto e sim  passou dentro do raio letal.

O U-2 usava RAM de ferrite fornecido pelos britânicos que diminuiu o RCS em 10 vezes, mas não alterou muito a distância de detecção. Também usava contramedidas eletrônicas para se defender. O RAM pesava muito e limitava a capacidade de modernizações. O U-2 voa até hoje fazendo reconhecimento dentro do território amigo usando câmeras de longo alcance para ver dentro do território inimigo. O U-2 foi modernizado para o padrão U-2S com motor F-118 e glass cockpit.

No fim da década de 1950, a General Dynamics propôs um projeto furtivo para a CIA substituir o U-2. O projeto começou como um B-58 conhecido como Super Hustler. O projeto evoluiu para uma aeronave que voava a 40 mil metros a Mach 6,25 chamada Kingfish. Era revestido de piro-cerâmica (material cerâmico absorvente de radar resistente ao calor). A aeronave era propulsada por dois motores ramjet e dois turbojatos retráteis J-85 para pousos e decolagem e aceleração até acionar os ramjets. O Kingfish perdeu uma concorrência para o Lockheed A-12 em 1959.

No fim da década de 1950, a Lockheed iniciou estudos de forma furtivas nas aeronaves. A empresa achava que uma aeronave não devia só voar alto e rápido e teria que ter um baixo RCS também. O projeto A-11 teve o RCS diminuído em 90% com formas facetadas laterais e RAM de ferrite. O A-11 voou na forma do A-12 que ficou conhecido como SR-71 na versão de reconhecimento estratégico.

O A-12 foi a primeira aeronave operacional a ter um grau maior de furtividade no projeto. A cauda era curvada para dentro, tinha estrutura cerrada, painéis em forma de torta nas bordas, asa fundida com a fuselagem e estrutura absorvente de radar (RAS) e RAP. O resultado era um RCS com uma fração de uma aeronave convencional. O RCS de 0,15 m2 frontal é bem menor que o B-1B que voou 25 anos depois. A diminuição do RCS foi de 90% e atribuída 65% devido a forma e 35% devido ao uso de RAM. O RAM era uma colméia de plástico que cobria 20% da aeronave.

A redução do RCS foi focada no quadrante frontal e em algumas bandas como a banda X onde o radar de guiamento dos mísseis SAM faziam o acompanhamento do alvo. Como os mísseis da época não poderiam atacar o SR-71 por trás devido a grande velocidade, não se preocuparam com o aspecto traseiro. Contras as defesas Soviéticas isto não faria muito sentido diminuir a detecção em todas as direções pois a grande densidade de radares  do cenário permitiria detectar a aeronave de qualquer forma devido aos vários aspectos que teriam que ser cobertos

Como voava a Mach 3, o calor da fuselagem deixava a aeronave pouco furtivo devido a grande assinatura IR, mas os sensores da época não podiam aproveitar esta falha. O SR-71 foi retirado de operação em 1998 voando após voar por mais de 35 anos. Foi atacado milhares de vezes por mísseis SA-2 sem ser atingido.

O próximo passou foi utilizar um drone D-21 lançado pelo SR-71 que tinha a vantagem de evitar perdas de tripulantes. Era esperado que um SR-71 seria derrubado ou cairia em território inimigo mais cedo ou mais tarde.

O outro concorrente do SR-71 era o Kingfish da Convair. O desempenho era menor mas a Convair citava que tinha um RCS muito menor, mas não acreditaram. 



Bombardeiros "Furtivos"

O bombardeiro estratégico pode ser visto como uma aplicação direta das leis de Lanchester. Um lado tenta vencer através da destruição da capacidade de produção do oponente enquanto tenta passar pelas defesas. Isto inclui o uso das aeronaves de ataque no campo de batalha para atrapalhar a capacidade ofensiva inimiga reduzindo sua concentração de forças.

Para conseguir sucesso, a razão de perdas deve ser baixa para poder atuar por muito tempo e evitar a diminuição da moral das tripulações. Uma taxa de perdas sustentada de 3% tornará a campanha contraproducente.

A primeira campanha estratégica foi na Segunda Guerra Mundial com a RAF e USAAF. Os EUA usaram a força bruta com bombardeiro diurno de "precisão". A RAF vou a noite para evitar as defesas. O uso de ECM incluía chaff, jammers de radar e comunicação e alerta radar. A falta de precisão das bomba forçou o aumentou do número de saídas e assim as perdas. Até a chegada dos P-38 e P-51, as perdas eram altas.

O bombardeiro nuclear se tornou o sistema de ataque básico pós-guerra. O B-50, B-36, seguidos do B-47 e B-52 eram os meios empregados pela USAF enquanto a RAF desenvolveu a força V com o Valiant, Vulcan e Victor. A Rússia copiou o B-29 e desenvolveu o Mya-4 Bison. Todas estas aeronaves deveriam penetrar as defesas a grande altitude e velocidade para superar os caças enquanto as ECM atrapalhariam as interceptações.

Na era nuclear as peradas eram menos críticas pois a guerra duraria um dia com missão única. Já o bombardeiro convencional precisava de uso contínuo por muito tempo. A defesa aérea também tinha que funcionar na base do tudo ou nada.

Os mísseis SAM foram logo desenvolvidos para conter os bombardeiros. A saturação com o disparo em salva contra uma única aeronave poderia derrotar as ECM. A dificuldade para projetar a ECM contra ameaça não conhecidas seria um sério problema na Guerra Fria. Na década de 1960, foi iniciado o desenvolvimento dos mísseis ar-ar de guiamento semi-ativa para equipar os interceptadores. Os dias da penetração aérea a grande altitude estava chegando ao fim.

Devido as limitações dos radares da época, a estratégia óbvia seria voar a baixa altitude. O jatos TSR-2 e F-111 americanos eram a resposta da época. O ataque nuclear tático entrou em voga nesta época. Os ataques convencionais no Vietnã puseram a prova o conceito.

No Vietnã, o F-111A teve uma perna na campanha Linebacker I de 0,2% mostrando a importância do uso de ECM, alerta radar e radar de acompanhamento do terreno. Já o B-52, durante a campanha Linebacker II, teve perdas de 2% mesmo com ECM interna, vôo conjunto de três aeronaves para apoio mútuo, escolta de ECM, supressão de defesas e caças. O aprendizado do Vietnam fez o SAC mudar as táticas do B-52 para penetração a baixa altitude e a acelerar o desenvolvimento do programa B-1A.

O estudo de bombardeiros estratégico da década de 1960 levou ao projeto Advanced Manned Strategic Aircraft de 1965 que se tornou o B-1 (ou BONE para os pilotos). Era uma aeronave que voaria supersônico a grande altitude ou penetração subsônica a baixa altitude. O projeto AMSA substitui o projeto XB-70 Valkyrie e depois substituiria os B-52 e B-58.

O projeto AMSA data dos requerimentos WS-110A e WS-125A que seriam projetos de bombardeiro convencional e de propulsão nuclear, respectivamente, com capacidade Mach 2 e alcance de 2200km que entrariam em operação em 1963. A North American venceu a proposta de bombardeiro convencional que seria o XB-70. A aeronave atingiria Mach 3 a 21 mil metros. A versão de propulsão nuclear foi cancelada.

AMSA
Exemplos de propostas do AMSA.

No fim da década de 1950, os mísseis balísticos intercontinentais (ICBM) tornaram-se operacionais e mostraram ser baratos, rápidos e precisos. Os mísseis SAM mostraram que os bombardeiros estavam com os dias contados. O projeto XB-70 mostrou estar vulnerável aos mísseis SAM e os sistemas futuros poderia ser bem mais capazes. O aumento dos custos de desenvolvimento resultaram no cancelamento do projeto apesar do SR-71 que voava a Mach 3 não ser estar sendo ameaçado pelos SA-2 soviéticos. O B-52 e ICBM seriam a dissuasão americana na década de 60.

O projeto de um novo bombardeiro ainda estava em pauta. Em 1961, foi iniciado o projeto SLAB (Subsonic Low Altitude Bomber), seguido do projeto Forecast que estudaria meios de dissuasão nuclear nos próximos 7 anos a partir de 1962, como mísseis ICBM e cruise. O projeto concluiu que havia espaço para o uso de bombardeiros tripulados, sendo mais flexível e podendo realizar ataque convencional.

O projeto se tornou o ERSA (Extended Range Strike Aircraft), mudou para LAMP (Low Altitude Manned Penetrator), que se tornou AMPSS (Advanced Manned Precision Strike System) em 1964 e finalmente o AMSA. O AMSA deveria ter grande capacidade de sobrevivência, penetração e carga X raio em relação ao B-52. Os estudos foram iniciados em 1965 e terminaram em 1969. A Boeing, General Dynamics e Rockweell enviaram propostas. A concorrência foi vencida pelo B-1A da Rockweell. A USAF pretendia comprar 241 aeronaves entre 1975 até 1981. O B-1 seria basicamente um penetrador de baixa altitude como o F-111 com a capacidade de carga X alcance do B-52.

O B-1A foi cancelado em 1977 como promessa de campanha de Jimmy Carter. Foi  abandonado em favor dos mísseis cruise. Nesta época o XST, precursor do F-117, estava sendo construído. O míssil cruise AGM-86 CALCM lançado do B-52 era considerado melhor para dissuasão que o B-1A que também era considerado muito caro.

A solução foi considerada míope pois os interceptadores soviéticos com capacidade de detectar e atacar alvos voando baixo estava a anos de se tornar realidade e mesmo assim demoraria para cobrir toda a URSS. O fronte europeu seria prioridade. Testes contra o F-15 e E-3 foram encorajadores e a aeronave mostrou ser difícil de detectar voando baixo durante as simulações na Red Flag.

Os testes do B-1A continuaram secretamente com o Congresso liberando fundos para continuar o desenvolvimento. A Rockwell iniciou uma campanha para relançar a aeronave como o projeto Bomber Penetration Evaluation (BPE), depois Near Term Penetrator (NTP), seguido do Strategic Weapon Launcher (SWL), seguido do Cruise Missile Carrier (CMC), depois Multi-Role Bomber (MRB). O estudo BPE terminou em 1981. Os estudos incluíam usá-lo como plataforma dos mísseis CALCM que iria substituí-lo.

Em 1981, a USAF lançou o programa Long Range Combat Aircraft (LRCA) que seria comprado até que o ATB (futuro B-2) ficasse pronto. As alternativas eram um B-52 com eletrônicos melhorados, o FB-111H  e um Boeing Jumbo 747 lançador de mísseis cruise CALCM. O B-52 foi considerado com pouca capacidade de penetração até 1995 quando o ATB entrasse em operação.

O FB-111H era um bom penetrador, mas com carga X raio de ação inadequado. O Jumbo foi considerado inadequado para lançar armas convencionais. O B-1B modificado era bom em todos requisitos, além de receber tecnologia furtiva mas com velocidade diminuída, passando de penetrador supersônico de grande altitude para penetração subsônica a baixa altitude. O presidente Reagan propôs a fabricação de 100 aeronaves em 1981 com entregas entre 1984 a 1988. O papel convencional incluía ataque e reconhecimento marítimo, minagem aérea, patrulha ASW(!!!!) e ataque convencional tática.

A tecnologia furtiva empregada no projeto do B-1B foi direcionada para os potentes radares de busca monopulso e Pulso-Doppler de caças capazes de buscar alvos voando baixo. A entrada de ar foi redesenhada para esconder a face do motor e não teria mais geometria variável. Os ductos foram curvados para proteção e as bordas foram inclinadas para fora e para baixo para defletir. A antena do radar era fixa e foi apontado para baixo. As áreas atrás do radome do radar e antenas receberam cobertura RAM. As estruturas do radar refletem muito assim como os sensores de guerra eletrônica. Os ângulos retos da fuselagem foram diminuídos para defletir ao invés de refletir. A estrutura recebeu cobertura RAM e a espinha dorsal foi retirada. O B-1B teve o RCS diminuído em 85% comparado com o B-1A, passando de 10m2 para 0,7-1m2. O RCS ficou 100 vezes menor que o B-52 e 1/7 do FB-111.

O B-1B entrou em combate em 1998 na operação Desert Fox contra o Iraque. A operação durou quatro dias com a USAF voando 650 missões devido a não aceitação da vigilância da ONU das armas de destruição em massa pelo Iraque. A aeronave realizava as missões voando a 6.400m a noite.

Durante a operação Allied Force em Kosovo em 1999, os caças lançaram 70% das bombas e eram armas guiadas. O B-52 e B-1B lançaram o resto e eram bombas burras. As bombas eram lançadas a média altitude. Estima-se que foram disparados 300 mísseis contra os B-1B sendo que 10 traquearam e foram despistados pelos despistadores rebocados ALE-50.

Próxima parte: Aeronaves convencionais com tecnologia furtiva


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