EMPREGO DE ARMAS BIOLÓGICAS: VERDADEIRO DESAFIO TECNOLÓGICO


Wanderley F. de Amorim Júnior (Eng. Mecânico - MSc)

e-mail: engenheiromec@yahoo.com.br


Emprego das Armas Biológica




            Basicamente, existem três meios através dos quais um microrganismo pode penetrar em sua vítima humana. O primeiro é através da pele, como ocorre quando o mosquito transmite o vírus da febre amarela ou o médico inocula a vacina correspondente. O segundo é a ingestão juntamente com a comida ou a bebida, forma típica de ataque do botulismo e do cólera. O terceiro é a inalação, como no caso da propagação da peste pneumônica, gripe ou sarampo.(CLARKE, 1970).

            É evidente que não há possibilidade de se disseminar voluntariamente uma doença mediante a produção de lesões ou a aplicação de injeções em vasto número de soldados inimigos. Já se pensou, entretanto, em usar grande número de animais transmissores infectados, que seriam deixados livres e se incumbiriam de levar a moléstia à população humana. Os japoneses fizeram muitas pesquisas sobre isso, na década dos quarenta. Publicaram-se no Japão pormenores desse trabalho, exibindo-se fotografias de bombas biológicas, que consistem em recipientes que seriam deixados cair em pára-quedas. Ao tocar o chão, arrebentariam ou abrir-se-iam automaticamente, deixando em liberdade, por exemplo, ratos contaminados de peste. A primeira exigência dessa técnica é uma instalação produtora capaz de criar grande quantidade de hospedeiros infectados.

            São poucos, porém, os peritos em guerra biológica que acreditam hoje ser esse o meio mais eficiente de disseminar doenças. Certo é que seria um dos mais arriscados, pois pressupõe a inclusão de um terceiro fator – o hospedeiro – em algo que já constitui uma operação complexa. Há muitas razões pelas quais a libertação dos veículos contaminados pode não produzir nenhum efeito, pois esses animais muitas vezes não têm possibilidade de estabelecer-se em ambiente estranho. E se conseguirem, não existe meio seguro de determinar o grau em que a doença será disseminada. O efeito poderá ser insignificante ou se tornar inteiramente descontrolado e terminar por causar uma pandemia. Embora possível, isso é pouco provável, porque a maioria dos exércitos modernos (e populações civis) são perfeitamente capazes de eliminar os transmissores em seu próprio terreno. Em certas partes do mundo, os padrões de higiene são tão elevados que os vetores teriam poucas possibilidades de sobrevivência. Ademais, muitos dos veículos importantes estão confinados às zonas tropicais e subtropicais do mundo, o que representa uma limitação imediata à eficácia da arma. O que resta é, pois, um meio de ataque limitado principalmente às regiões equatoriais em que haja pouca ou nenhuma higiene pública. Fora disso há uma possibilidade imponderável de sucesso e o ataque, ainda que “bem sucedido”, poderia contaminar apenas uma pequena proporção da população.(CLARKE, 1970).

            O segundo método de propagação poderia ser a contaminação de alimentos e líquidos com matéria infectada. Essa é também uma técnica difícil de ser empregada em larga escala. A única possibilidade de êxito parece ser a contaminação de alimentos nos próprios locais de sua produção industrial ou do suprimento de água nos reservatórios. Ainda assim isso seria difícil. Tanto os reservatórios civis quanto os militares são cuidadosa e permanentemente vigiados, para evitar qualquer aumento de contaminação por causas naturais. Desse modo, seria facilmente detectada com antecedência; além do que os métodos normais de purificação de água seriam provavelmente suficientes para eliminar a maior parte do perigo. O êxito exigiria uma redução prévia dos padrões sanitários a um nível muito baixo.

            Isso não quer dizer, é evidente, que nunca se venha a utilizar esse tipo de ataque. Em caso de guerra, deve-se prever a ocorrência de quedas nos níveis de higiene pública. Além disso, a crescente centralização das técnicas de industrialização alimentar, o advento de meios de comunicação mais rápidos e o aumento da densidade de população tem incrementado o risco desse tipo de ataque nos últimos vinte anos. Não haveria necessidade de grandes quantidades de matéria infectada ou tóxica. Já se calculou que qualquer pessoa que beba 100 mililitros de água proveniente de um reservatório de cinco milhões de litros, no qual tivessem sido colocados 5 quilos de toxina botulínica parcialmente purificada, correria sério risco de envenenamento. E naturalmente a contaminação deliberada de alimentos ou de água com o fim de eliminar pessoas importantes, civis ou militares, seriam de difícil prevenção, no caso de sabotadores experimentados.

            Todas as indicações existentes mostram que as vias respiratórias são o meio mais eficaz para a introdução de um agente biológico em larga escala. Geralmente, exigem doses menores e provocam efeitos mais graves. Por exemplo, o carbúnculo causado pela absorção de germes através da pele tem mortalidade muito mais baixa do que resultante de inalação. Muitos argumentam também que esse processo pode ser usado para atingir populações maiores, pois a própria doença se transmite de uma pessoa para outra. Seria necessário estabelecer apenas um foco de infecção pequeno em uma parte do país, de onde o mal se espalharia, por si mesmo, por toda a zona. Isso suscita um dos mais importantes problemas a respeito do uso real de agentes biológicos. Deveriam eles, seja por inalação, ingestão ou injeção, ser destinados a causar uma epidemia, a propagar-se por toda uma população? Certamente é essa a noção popular do funcionamento de uma arma biológica. Uma maneira de fazê-lo é mediante a introdução de agentes transmissores contaminados . Outra alternativa é a introdução de uma doença que se propague diretamente do homem ao homem. Por diversas razões, isso é desaconselhável.(CLARKE, 1970).

            Em primeiro lugar, não se pode calcular com certeza quais serão os resultados de um ataque assim. A epidemiologia é matéria  imensamente complexa, e embora se tenham feito progressos técnicos, o panorama ainda não é muito promissor. Isso se dá principalmente porque o epidemiologista é obrigado, ou a trabalhar teoricamente, ou a tentar obter dados sobre epidemias passadas e presentes e em seguida formular hipóteses para explicá-las. Não é possível fazer experiência em populações humanas, e assim os processos normais da ciência lhe são negados. É muito difícil  prever com absoluta certeza a progressão geográfica ou o total de mortes que resultaria da introdução de uma doença epidêmica numa população humana.

A utilização de uma doença epidêmica seria, assim, uma importante incógnita nas equações já complexas da guerra biológica. Além das dificuldades de utilizar uma arma que produzirá efeitos desconhecidos, existe também o perigo de que a moléstia escape inteiramente ao controle e se espalhe por área muito mais vasta do que se havia originalmente previsto. Nessas circunstâncias, seria temerário, para qualquer nação, ser a primeira a tentar introduzir um mal epidêmico numa população, como manobra militar.

            Existem, porém, outras razões mais imediatas e práticas. Se a força atacante planeja ocupar a região não terá outra alternativa senão vacinar contra a doença todos os elemento da força de ocupação. Isso pressupõe a existência de uma vacina adequada, e em caso positivo há sempre a possibilidade de que o inimigo haja tomado a precaução de imunizar seus soldados, ou mesmo os civis, contra o mal. Talvez mais importante seja o fato de que, se uma moléstia é epidêmica, poderá já haver ocorrido em determinada população, ou haver sido impedida de espalhar-se devido à vacinação em massa. Esse argumento é importante, pois um microrganismo não pode sobreviver senão em ambiente adequado. Muitas das doenças facilmente transmissíveis do homem para o homem, tais como o sarampo, já viajaram por vastas regiões do mundo. Em outras, como a Europa e os Estados Unidos, seu avanço foi impedido por meio de técnicas de vacinação em massa. Tudo isso significa que um agente altamente epidêmico poderá ter menos possibilidade de contaminar uma população do que uma doença mais rara que não possa ser transmitida diretamente de um elemento da população a outro — e que naturalmente é rara precisamente por essa razão.

Qualquer decisão sobre o uso de um agente epidêmico terá também relação com os objetivos militares do ataque biológico. Se o desígnio é atacar grande parte da população simultaneamente, para diminuir a capacidade de resistência inimiga, um agente epidêmico não oferecerá grande vantagem em comparação com um agente não-epidêmico. À medida que uma parte do povo for sendo imobilizada pelo mal, outros se restabelecerão. O efeito será portanto parcelado. Seria mais eficiente utilizar inicialmente grande quantidade de material infeccioso e disseminá-lo em seguida tão completamente quanto possível na região. Assim, as conseqüências serão simultâneas sobre todos os atingidos, e uma vez que o agente não é transmissível diretamente, será possível invadir o território pouco depois do término do período de incubação, com muito pouco risco para o invasor.(CLARKE, 1970).

Esse método de ataque exigirá muito dos recursos do inimigo. Se não se conhece a cura da doença, ele será incapaz de  proteger seus soldados e sua população. Igualmente, não terá tempo de aperfeiçoar uma vacina preventiva, se já não possuir alguma coisa nesse sentido. Se, em vez disso, fosse utilizado um agente epidêmico, seria perfeitamente possível ao inimigo aperfeiçoar e utilizar uma vacina adequada entre a primeira onda de infecção e a segunda ou terceira. Ainda que a doença possa ser tratada com antibióticos, a contaminação simultânea de vasta parte da população deverá exigir muito mais das reservas de antibióticos do que a incidência lenta da doença. A conclusão parece bastante clara: os efeitos de uma arma biológica devem ser medidos apenas pelas mortes primárias causadas diretamente pelo agente levado ao campo de batalha; as contaminações secundárias não serão de grande ajuda, serão de difícil controle e poderão até mesmo estender-se ao território do atacante se a doença for epidêmica. Dentre as doenças que estão sendo estudadas com afinco pelos centros de guerra biológica em todo o mundo, apenas algumas são altamente epidêmicas.

O fato de que mesmo alguns agentes epidêmicos estejam sendo atualmente examinados para aplicação militar é causa suficiente de preocupação. Um dos maiores perigos da guerra biológica é o fato de que ela ainda está longe de ser inteiramente compreendida. Talvez fosse menos sombrio se pudéssemos saber se os planos atuais se restringem ao uso de agentes incapazes de produzir epidemias. Como explicado, estes últimos, de qualquer forma, são mais desejáveis do ponto de vista militar, mas há moléstias epidêmicas causadas por germes mais vantajosos em relação aos agentes não-epidêmicos. Eis aí outro exemplo de como as características de um agente biológico podem ser, e freqüentemente são, contraditórias. (CLARKE, 1970).

Sabemos, entretanto, que quando, um agente biológico for empregado pela primeira vez o objetivo será contaminar toda a área a ser atacada. Já se fez muita pesquisa sobre esse aspecto e ficou demonstrado que para serem mais eficientes, os microrganismos devem estar em suspensão em um líquido que deve ser espalhado como aerosol (muitas doenças são espalhadas naturalmente dessa forma; um espirro, por exemplo, liberta um jato de aerosol altamente infeccioso), e as pesquisas feitas mostraram que o tamanho das partículas de aerosol deve ser de 1 a 5 microns de diâmetro (um mícron equivale a um décimo milésimo de centímetro). Nessas dimensões elas serão suficientemente pequenas para descer ao pulmão e penetrar na parede pulmonar. O tamanho é, na verdade, muito importante: a dose de Brucella suis necessária para contaminar cobaias é 600 vezes maior com partículas de diâmetro de 12 mícrons do que com partículas de 1 mícron de diâmetro. A dose infecciosa de vírus de encefalomielite eqüina da Venezuela aumenta 14.000 vezes se o diâmetro da partícula aumentar dez vezes. (CLARKE, 1970).

            Pode-se preparar um aerosol com partículas de 1 a 5 mícrons de diâmetro mediante o envasamento, sob pressão do líquido que contém os germes, e a liberação através de uma pequena válvula — como, por exemplo, se faz com tinta para fins comerciais, num vaporizador. Mas o líquido deve ser manuseado com muito cuidado — afastado do calor, por exemplo — senão os microrganismos podem morrer rapidamente. É difícil obter dados exatos sobre o efeito real da pressão sobre o líquido, mas uma estimativa indica que um líquido contendo 1010 microrganismos eficazes por mililitro antes da vaporização deverá conter 109 organismos eficazes por mililitro imediatamente após a vaporização. Isso significa que fica inutilizada boa parte do material, mas as concentrações iniciais são tão, altas que o efeito poderá não ser significativo. (CLARKE, 1970).

As partículas vaporizadas, desse tamanho, descerão muito lentamente à superfície terrestre, se lançadas de foguete, bomba ou avião. Uma partícula de 0,5 mícrons, em ar parado, levará mais de quatro dias para cair apenas três metros. E se um vento de 4,5 km por hora estiver soprando, e a partícula não encontrar nenhum obstáculo, ela será transportada durante esse período a uma distância de 480 km. Sabemos que essa técnica já teve sucesso, pelo menos em pequena escala. Voluntários humanos foram contaminados pelo germe que causa a febre Q a uma distância de 800 metros do ponto em que o agente foi lançado. Também foram infeccionadas cobaias por germes espalhados a 25km.

Existem estatísticas, entretanto, sobre a disseminação de microrganismos inofensivos e vaporizações inanimadas. O Dr. Leroy D. Fothergill, que trabalhou em Fort Detrick, descreveu a liberação em forma de aerosol de uma suspensão de 130 ga1ões da forma esporulada de uma bactéria inofensiva, do convés de um navio a duas milhas da costa. As partículas do aerosol eram de 1 a 5 mícrons de diâmetro e foram encontradas mais tarde em uma região que se estendia a 8 km, para o interior e 37 km, na direção em que soprava o vento. Em toda essa área, inclusive nos edifícios, qualquer pessoa que respirasse sem proteção teria inalado mais de 3.000 germes em duas horas.



Patente norte-americana de 2003 de um distribuidor de carga não letal lançado por disparo que foi concebido para lançar aerosóis.

Em outra ocasião, o mesmo pesquisador libertou 200 quilos de sulfeto de zinco-cádmio — matéria fluorescente — em forma de aerosol de diâmetro de 2 mícrons. O aerosol foi libertado durante uma viagem de barco de 250 km, a 16 km da costa e percorreu 720 km na direção do vento, cobrindo uma zona de quase 90.000 km2. Nessa área, a dosagem mínima inalada, por minuto, foi de 15 partículas e a máxima de 15.000 partículas.      


            Essas experiências provaram conclusivamente o que os cientistas já esperavam: uma nuvem de aerosol pode ser dispersada a grandes distâncias pelo vento. Em condições meteorológicas adequadas, é provável que sejam distribuídas por uma zona muito maior do que a zona letal da mais poderosa arma nuclear. (CLARKE, 1970).

Nesse estágio do uso de armas biológicas é que começam os verdadeiros problemas. Que estabilidade terá de ter os microrganismos para suportar os rigores da exposição ao meio ambiente? Mesmo antes que o ambiente comece a fazer sentir seus efeitos, o aerosol começará a perder potência. Por exemplo, a dose infecciosa de aerosol com germe da tularemia, para as cobaias, é de cerca de 10 a 20 células. Mas se o aerosol for deixado em repouso durante cinco horas e meia, a dose decairá para 150 a 200 células (a dosagem infecciosa do aerosol de tularemia “fresco” é de cerca de 25 células). Esse efeito deve ser conjugado com o poder destruidor complementar do meio ambiente. Enquanto os microrganismos caem lentamente em direção à terra, ou são levados pelos ventos dominantes, estarão sujeitos a variações de temperatura e umidade e à radiação do sol. Essas variações seriam suficientes para matar muitas cepas de microrganismos, relativamente depressa.

A temperatura da atmosfera a uma altitude de 10.000 m é de cerca de 60 graus centígrados negativos. As partículas de aerosol poderiam ser levadas até essa altura e depois cair e subir diversas vezes durante uma disseminação prolongada em condições meteorológicas perturbadas; poucos germes suportariam as variações de temperatura conseqüentes. As exceções conhecidas são alguns vírus. Em tal altitude, igualmente, a intensidade da radiação ultravioleta do sol é muito maior — existe menos atmosfera para absorvê-la — e isso seria fatal à maioria das bactérias e vírus. Além disso, muitas bactérias são sensíveis à luz do sol, sob temperaturas inferiores a zero. Qualquer germe que a temperatura descesse abaixo do ponto de congelamento e depois retornasse à superfície terrestre seria muito menos perigoso do que quando libertado. (CLARKE, 1970).

Os riscos em camadas inferiores da atmosfera também são graves. A radiação ultravioleta do sol é consideravelmente fatal mesmo ao nível do solo e, a menos que fossem libertados à noite ou sob a proteção de camadas de nuvens, os microrganismos sofreriam grandes perdas. A luz direta do sol destruiria grande número das formas vegetativas de bactérias em questão de minutos, e até mesmo os esporos em algumas horas. Os esporos poderiam sobreviver à noite e manterem-se vivos durante dias em condições de tempo nublado. As formas vegetativas poderiam sobreviver de 6 a 12 horas durante a noite.

A umidade da atmosfera também teria efeito importante, embora menos definível, pois alguns microrganismos sobrevivem melhor na umidade e outros em ambientes secos. Demonstrou-se que 85% de um aerosol do vírus da pólio permanece eficaz durante 23 horas (à sombra) se a umidade for de 80% e à temperatura de 21 a 24 graus centígrados. Mas à mesma temperatura, com uma umidade de 20 a 35%, somente 1% do aerosol resistirá tanto tempo. Por outro lado, a situação é inversa para os vírus da varicela — a forma atenuada de varíola — que sobrevive melhor em atmosferas secas.

Os centros de guerra biológica de certos países investigaram a estabilidade de aerosóis virais e bacterianos em pormenores. Suas conclusões obviamente diferem para cada microrganismo, mas a maioria dos estudos demonstra a facilidade com que um germe pode ser destruído sob tais condições. Sem dúvida aperfeiçoaram-se algumas cepas que podem suportar os riscos ambientais durante pelo menos algumas horas, sob certas condições. Mas os rigorosos requisitos de estabilidade certamente terão eliminado muitas cepas que de outra forma teriam possuído quase todas as propriedades exigidas de uma arma biológica. Especialmente, buscam-se ativamente meios de colocar os germes dentro de um pó protetor ou alguma forma de camada protetora. Muito se pode fazer, na verdade, para melhorar a estabilidade de um aerosol biológico. A escolha do líquido usado é de capital importância, podendo a ele ser adicionados agentes químicos para aumentar a estabilidade.(CLARKE, 1970).

Os cálculos teóricos demonstram que se cerca de 100 mililitros de um aerosol contendo 108 microrganismos eficazes por mililitro pudessem ser disseminados numa área de 1 km2, até uma profundidade de 2 m, qualquer pessoa que respirasse tal atmosfera durante cinco minutos inalaria uma dosagem de cerca de 100 germes. Essa dosagem seria mais do que infecciosa, para alguns microrganismos. Mas o cálculo depende de dois fatores importantes. O primeiro é que todos os elementos permaneçam eficazes e isso, como indicado, é uma condição difícil de preencher. O segundo é que o aerosol seja disseminado uniformemente sobre a área que constitui o alvo. Esse último requisito é talvez ainda mais difícil, pois depende de fatores bastantes fora do controle humano — os do clima. Acredita-se que partículas de poeira, pairando em elevadas altitudes, tenham sido transportadas pelo vento dando volta completa ao globo. Identificaram-se com exatidão partículas de fumaça sobre o Reino Unido provenientes de incêndios de florestas no Canadá a uma altitude de 10.000 m. O que é mais significativo para o assunto os esporos da doença vegetal conhecida como “ferrugem” tem sido transportada pelo vento do México ao Canadá. Pareceria fácil, pois, utilizar as condições prevalentes de clima para distribuir aerosóis infecciosos por áreas muito vastas. Na verdade, o problema real poderia ser uma distribuição de forma que não cubram zonas maiores do que as desejadas — zonas talvez tão vastas que venham a incluir territórios neutros ou aliados. (CLARKE, 1970).

A dispersão do aerosol implica em dois problemas bem distintos. O primeiro é a disseminação de um agente sobre uma área localizada, digamos, de alguns quilômetros quadrados. O segundo é sobre zonas muito mais vastas. (CLARKE, 1970).

Se o agente deve ser distribuído diretamente no local, será necessário fazê-lo cm períodos de relativa calma e quando o vento for fraco e estável. Rajadas ou torvelinhos poderiam dispensar o material, diluindo-o com o ar não contaminado antes que fosse possível contagiar o inimigo. Seria difícil até mesmo utilizar um vento médio que soprasse constantemente. (CLARKE, 1970).

Quando sopra o vento, a velocidade da corrente de ar é sempre menor ao nível do solo do que na altitude, devido ao atrito com o terreno; tal como a fricção com o leito do mar retarda a marcha da parte de baixo da onda que se quebra. Esse efeito tenderá também a diluir a nuvem de aerosol no ar fresco, porque a corrente junto ao nível do solo ficando turbulenta, a mistura se dará. Ao utilizar armas químicas, esse efeito poderia prejudicar o ataque, mas é provável que não seja muito nocivo ao aerosol biológico, pois esses são tão potentes que será necessário menos material. Acredita-se que ventos de quatro milhas por hora sejam os ideais para armas químicas; os de dez milhas são considerados aceitáveis. Para dispersar agentes biológicos, poderiam ser utilizados ventos de velocidades maiores; na verdade, poder-se-ia fazer com que o material viajasse rapidamente, de modo que ficasse exposto à atmosfera por um tempo mínimo — quanto menos tempo estiver na atmosfera, mais eficaz será. Se o agente não for libertado diretamente sobre o alvo, terá evidentemente de sê-lo num ponto em que o vento o leve ao alvo. Essa observação pode parecer óbvia, mas conhecem-se casos em que certos comandantes, ao utilizarem gás lacrimogêneo para controlar distúrbios de rua, conseguiram apenas que os agentes químicos retornassem para atingir as tropas que os haviam lançado. Tais erros poderiam facilmente ser cometidos na guerra, especialmente com uma arma tão nova a respeito da qual os comandantes teriam recebido um treinamento mínimo e seus soldados menos ainda.

Na dispersão de um aerosol, não se devem considerar apenas os ventos horizontais. A atmosfera está em contínuo movimento vertical, sobretudo devido às correntes térmicas, que ocorrem durante o dia, quando a terra se aquece e produzem-se correntes de ar de convecção ascendente. Por essa razão poder-se-ia dizer que a noite é a melhor ocasião para o lançamento de aerosóis, sendo a madrugada e o fim da tarde as alternativas possíveis. Nessas horas a atmosfera está estacionária e o movimento vertical do ar estabilizado, com um “teto” relativamente baixo, acima do qual não há mistura de ar. Pode-se ver, então a névoa baixa, junto ao solo, penetrando em todas as concavidades e vales. São essas precisamente as condições que, juntamente com um vento lento e constante, seriam necessárias para a dispersão localizada de armas químicas ou biológicas. Ocorrem somente durante parte de determinados dias e são muito mais comuns em algumas estações do ano do que em outras; por exemplo, nas ocasiões em que se formam áreas de alta pressão. Conclui-se daí que as zonas de clima altamente variável (característica pela qual as Ilhas Britânicas são repelidas) são menos suscetíveis de ataque químico ou biológico do que outras mais estáveis. Mas não se devem fazer generalizações amplas baseadas nesses fatos. Basta dizer que o comandante de uma força-tarefa biológica ou química terá de escolher a ocasião com cuidado e provavelmente de esperá-la com paciência. (CLARKE, 1970).

Planeja-se um ataque localizado, o aerosol terá de ser libertado em nível bastante baixo. Essa operação pode ser difícil em território inimigo, como demonstrou a experiência norte-americana de desmatamento e destruição de colheitas no Vietnã. Foram consideradas pelos pilotos norte-americanos como as mais perigosas missões dentre as que deveriam cumprir. Espera-se sempre que o avião seja atingido; em 1966, em cada 28 missões, um avião foi atingido. Nessas operações, os norte-americanos dispersaram os agentes químicos mais ou menos sobre os alvos, de uma altitude de poucas centenas de metros. Devido ao fato de atacarem zonas relativamente vastas, não tiveram outra alternativa senão a de empregar aviões; bombas ou foguetes não dariam para cobrir toda a zona alvejada.

Desejando-se atacar uma concentração militar, ou uma população civil, existem muitos métodos de disseminação. Não é de domínio público a forma pela qual a carga poderia ser dispersa em aerosol, mas presume-se que exista algum sistema de pressão que possa começar a funcionar quando ela se aproximar do solo ou que distribua o material após o impacto. A principal dificuldade é que o material biológico deve ser libertado em baixa altitude; do contrário os níveis mais elevados de radiação ultravioleta da atmosfera superior matariam rapidamente os agentes. Por esse motivo, a hipótese mais acertada seria uma espécie de bomba munida de um pára-quedas que se abrisse à altitude apropriada, mesmo levando-se em conta que, ao ser lançada durante o dia, ela própria denuncia sua presença, antes do momento em que o material biológico possa fazer efeito.

É difícil falar com conhecimento de causa sobre os meios de disseminação de agentes biológicos, porque nenhuma nação publicou jamais quaisquer dados fidedignos sobre seus sistemas. Com efeito, fora dos círculos militares, ninguém sabe se alguma nação possui uma arma biológica já no estágio em que seu uso seria militarmente possível. Quase todas as declarações oficiais a respeito se têm referido à defesa.

 A afirmação de que existem agentes biológicos capazes de contaminar áreas com a extensão de continentes também deve ser interpretada com cuidado. Provavelmente ele quis dizer apenas que os Estados Unidos possuem instalações capazes de produzir material suficiente para contaminar teoricamente uma área dessas dimensões. Isso é muito diferente de afirmar que se possui uma arma capaz de funcionar na prática com uma probabilidade de 100% de sucesso e com resultados militarmente desejáveis. A contaminação de áreas do tamanho de continente significaria que o material teria de ser libertado a altitudes relativamente baixas e a probabilidade de sua persistência por período de tempo suficientemente longo para ser transportado em condições com eficácia da extremidade de um pequeno continente à outra seria marginal, para dizer o mínimo. Igualmente, não haveria indicações seguras do local onde o material terminaria por alojar-se. É certo que alguns ventos costumam soprar constantemente em uma direção geral fixa durante certas estações. Mas, ao planejar uma operação militar destinada a contaminar um continente, seria necessário conhecer com absoluta certeza as direções e força dos ventos numa vasta área, durante o período de vários dias. No momento, positivamente não possuímos essas indicações e as condições inerentemente mutáveis das características meteorológicas parecem indicar que jamais as possuiremos.

O método mais seguro de utilizar um agente biológico seria disseminá-lo por toda a área a ser atacada. Dessa forma não seria necessário depender da dispersão lateral do aerosol pelos ventos prevalentes. Para muitos cientistas, a idéia de libertar uma vasta nuvem de aerosol ao longo da linha de limite do vento na costa de uma massa de terra e esperar, depois, que a corrente de ar se encarregue de transportá-la a todo o território não parece realista. Seria certamente uma operação perigosa, porque sempre haveria a possibilidade de que a nuvem se espalhasse por outras regiões que não a desejada. Do ponto de vista militar, seria uma maneira muito aleatória de usar algo que, de qualquer forma, é ainda uma arma duvidosa  e não experimentada.(CLARKE, 1970).

As dificuldades de contaminar uma área menor, por exemplo, uma grande cidade, são muitos menores. Não seria necessária uma quantidade muito grande de material infectado e a possibilidade de que viesse a espalhar-se numa área além da prevista reduzir-se-ia proporcionalmente. O agente não teria de resistir na atmosfera durante muito tempo e portanto seria capaz de permanecer em condições adequadas durante o tempo desejado. Além disso, a eficiência da libertação de aerosóis biológicos em pequena escala já foi provada nas experiências simuladas aqui descritas. (CLARKE, 1970).




            O carregamento de uma  arma biológica é outro problema, já que as propriedades do material biológico tendem a modificar-se quando armazenado, e portanto é preferível manter a arma estocada em forma de cultura nos laboratórios do que de bombas prontas para uso imediato mas isso não quer dizer que não possam ser produzidas rapidamente. Com efeito, é difícil imaginar que uma arma biológica possa ser experimentada eficientemente, antes que venha a ser usada contra um inimigo de verdade.


BIOTECNOLOGIA: O FUTURO DAS ARMAS BIOLÓGICAS



            Como pode ser observado as armas biológicas constituem um imenso desafio tecnológico. Problemas de grande complexidade envolvendo fabricação, emprego e armazenamento devem ser superados para que se tenha uma arma biológica eficaz. Esses problemas afetam diretamente duas características principais deste tipo de arma: a Virulência e a Transmissibilidade.

            Atualmente, o incrível avanço da biotecnologia trouxe novas possibilidades para a criação e emprego de novas armas biológicas. As técnicas de biologia molecular e de manipulação dos genes permitem alterar células e organismos de maneira altamente específica favorecendo o desenvolvimento de novas armas biológicas.

            Existem várias maneiras de fabricar armas a partir do DNA  recombinado: são as chamadas “designer weapons”- ou armas biológicas artificialmente criadas. A biotecnologia permite a programação de genes em microorganismos para aumentar sua resistência a antibióticos, sua virulência e sua estabilidade no ambiente. É possível  inserir, nos organismos, genes que afetam as funções reguladoras que controlam o humor, o comportamento e temperatura corporal. Cientistas visualizam a possibilidade de clonar toxinas seletivas, com o objetivo de eliminar grupos étnicos e raciais precisos cujo genótipo os predispõe a certas doenças.

            A engenharia genética também pode servir para destruir espécies vegetais cultivadas ou gado criado, quando o objetivo é destruir a economia de um país. As novas técnicas de engenharia genética criam uma variedade muito grande de armas que podem ser utilizadas para fins militares diversos, desde o terrorismo e as operações antiinsurrecionais até a guerra em grande escala contra populações inteiras.

            As universidades e a indústria de biotecnologia contribuem direta ou indiretamente para o bioterrorismo. Nos EUA, o número de doutorados em ciências biológicas cresceu 30% entre 1975 e 1991. A indústria americana emprega cerca de 60 mil cientistas na área biológica. Há mais de 1300 empresas de biotecnologia nos EUA. Não havia nenhuma há 25 anos. Cerca de 40% dos laboratórios farmacêuticos e de biotecnologia do mundo inteiro ficam nos EUA.

            Portanto para se produzir armas biológicas com grande capacidade de destruição é preciso dominar técnicas industriais de cultivo e fermentação de bactérias que provavelmente só existem nos grandes laboratórios científicos dos Estados Unidos, da Europa Ocidental e do Japão, custeados pelo Estado ou pelas grandes multinacionais do setor farmacêutico.

         Aprovado pelo Congresso norte-americano em julho de 2000, o chamado Plano Colômbia inclui o apoio à nova estratégia do Programa das Nações Unidas para o Controle Internacional de Drogas de utilizar agentes biológicos para combater o cultivo de coca.
 

            Sob a égide dos Estados Unidos e do Reino Unido,  armas biológicas já estão sendo usadas em pesquisas no  Uzbequistão  na “guerra contra as drogas”.
 

            O governo colombiano recusou o uso desses agentes biológicos em seu território, levando Rand Beers, subsecretário do Departamento de Estado norte-americano para assuntos internacionais e do narcotráfico, ratificado pela administração Bush, a afirmar em outubro de 2000 para BBC de Londres que, se a Colômbia continuasse a negar-se a permitir os testes de utilização do fungo contra a coca, ele, por sua parte, não estava disposto a dar o assunto por encerrado. O cientista americano Davis Sands, que possui os direitos sobre este fungo, declarou : “Vamos entrar sem autorização”.
 

            Em julho de 2001, os EUA  anularam seis anos de negociações do Protocolo para a Verificação da Convenção sobre Armas Biológicas, com a intenção de violar o tratado. Disse que o acordo colocaria em risco a confidencialidade de sua indústria farmacêutica e das pesquisas biológicas. Em dezembro de 2001, provocou o fracasso da Quinta Conferência de Exame da Convenção sobre as Armas Biológicas, que duraria até 11 de novembro de 2002, sem aprovar nenhuma resolução. O embaixador norte-americano em Genebra, Donald Mahley, disse à reunião que seu país não aceitará ser limitado no uso de armas biológicas na guerra contra as drogas, porque quer usá-las na  Colômbia.
 

         Os EUA  tinham um arsenal de armas químicas de mais de 30 mil toneladas e a antiga URSS de mais de 400 mil toneladas. A antiga URSS possuía o maior programa de armas biológicas da história humana, o Biopreparat, com mais de 60 laboratórios e 30 mil membros.


CONCLUSÃO


            A complexidade de fabricação e emprego das armas biológicas dificultam  o seu uso no campo de batalha, sendo restrito e em algumas situações impossível fazendo com que alguns estudiosos afirmem que: “as armas biológicas constituem uma classe de armas que não podem ser “apontadas”.

A capacidade de um país ou de um grupo terrorista de fabricar cepas de agentes biológicos é apenas o primeiro passo dentro de tantos outros necessários para a fabricação de uma arma biológica. A posse de uma arma biológica não significa a posse de uma arma de destruição em massa. Atualmente, o incrível avanço da Biotecnologia trouxe novas possibilidades para a criação e emprego de armas biológicas realmente eficazes. Resta saber se todos os desafios técnicos de fabricação, armazenamento e emprego das armas biológicas foram solucionados. Se realmente esses desafios foram solucionados outra indagação deve ser feita: Quais são os países que podem gerar e empregar a Biotecnologia  em armamentos biológicos? E a resposta provavelmente será: os EUA, Japão, países da Europa Ocidental e Rússia. É possível que o futuro dessas armas esteja nas mãos desses países. Portanto atualmente o desenvolvimento e emprego de uma arma biológica com real capacidade de destruição em massa é um grande desafio técnico-militar.


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