Batalhão de Operações Ribeirinhas

CMG (FN) JOSÉ HENRIQUE SALVI ELKFURY

Revista O Anfíbio - 2001

“Ao contrário do que os brasileiros pensam, a Amazônia não é deles, mas de todos nós”
(AL GORE, 1989)

“O Brasil deve delegar parte de seus direitos sobre a Amazônia aos organismos internacionais...”
(GORBACHOV, 1992)

“...para dar início à fase operativa, que pode, definitivamente, ensejar intervenções militares na região [amazônica]...”
(MAJOR, 1992)

“O Brasil precisa aceitar uma soberania relativa sobre a Amazônia”
(MITERRAND, 1992)

Em recente editorial do Jornal do Brasil (05AGO2001), intitulado “O Papel das Legiões”, abordando o emprego das Forças Armadas (FA) na atualidade, são apresentadas as seguintes considerações: “O eixo da estratégia mudou. O tema de maior apelo hoje é a Amazônia. É atualmente a grande hipótese de conflito. A fronteira desguarnecida torna o Estado brasileiro vulnerável sobretudo pelo potencial desestabilizador de ações de origem externa envolvendo narcotráfico, garimpo, associação com índios, ou incêndios provocados e outras agressões à ecologia. Soma-se a isso a instabilidade de países fronteiriços ...”




Os aspectos e opiniões mencionados na abertura deste artigo corroboram avaliações da conjuntura internacional que apontam possíveis situações de crise, capazes de evoluir para conflito externo, com argumentos tais como proteção ao meio ambiente ou defesa de direitos dos indígenas. Assim, é natural que repercutam na Política de Defesa Nacional (PDN). Nesta, verifica-se que, embora o Mercosul e o Tratado de Cooperação Amazônica proporcionem um verdadeiro anel de paz, o Brasil não está totalmente livre de envolver-se em conflitos gerados externamente, devido a ameaças ao seu patrimônio e aos seus interesses vitais, bem como deve estar atento a zonas de instabilidade, criadas por bandos armados que atuam em países vizinhos e por organizações criminosas transnacionais. Essas preocupações estão traduzidas em uma diretriz da PDN: “proteger a Amazônia brasileira, com o apoio de toda a sociedade e com a valorização da presença militar”.

A proteção daquela região passa por várias ações, nos três níveis de governo, com destaque para o Calha Norte, símbolo de brasilidade e de defesa da soberania, e para o Sistema de Proteção da Amazônia (SIPAM). A presença militar, fundamental para respaldar as ações diplomáticas – como já ensinava o Barão do Rio Branco –, pressupõe uma estrutura com credibilidade capaz de dissuadir ações adversas ou elevar seu custo ao limiar da aceitabilidade.

O Ministério da Defesa e as FA têm adotado medidas voltadas para esta diretriz. A Marinha chegou nos rios amazônicos em 1728, com a Divisão Naval do Norte, substituída em 1868 pela Flotilha do Amazonas (FlotAM). Hoje, faz-se presente com os meios do Quarto Distrito Naval e do Comando Naval da Amazônia Ocidental (CNAO), que contribuem também para assegurar a soberania e para reduzir os desníveis sócioeconômicos e os desequilíbrios daquela região em relação ao restante do País. Tendo em vista a situação geográfica, destacam-se, pela atuação no ambiente tipicamente ribeirinho,as unidades do CNAO:

- a FlotAM, com seus Navios Patrulha e de Assistência Hospitalar,
- o Terceiro Esquadrão de Helicópteros de Emprego Geral e
- o Grupamento de Fuzileiros Navais de Manaus (GptFNMa),
- apoiados pela Estação Naval do Rio Negro e pelo Depósito Naval de Manaus.

Ainda em decorrência da PDN e considerando avaliações prospectivas, a MB decidiu a reestruturação do GptFNMa em unidade valor Batalhão, para emprego em Operações Ribeirinhas (OpRib) – fato esse que motiva o presente artigo. Esta reestruturação passa pela identificação de fatores condicionantes, definição da missão, conceito de emprego e organização na nova Unidade, aqui denominada Batalhão de Operações Ribeirinhas (BtlOpRib). No detalhamento dessa abordagem deverão ser observados os requisitos a serem atendidos no emprego dos Grupamentos Operativos de Fuzileiros Navais (GptOpFuzNav) nucleados no BtlOpRib.

FATORES CONDICIONANTES

Como fatores condicionantes pode-se visualizar a postura estratégica nacional, as ameaças previstas e a disponibilidade de recursos. A postura estratégica, de caráter dissuasório, demanda um poder militar com credibilidade suficiente para inibir ambições alienígenas. Para que isso ocorra, o BtlOpRib deverá estar em condições de, juntamente com meios navais e aeronavais, integrar uma Força Pronta com mobilidade tática, constituída por pessoal e material adequados ao emprego no ambiente amazônico. Tendo em vista as distâncias envolvidas e as limitações à navegação, pode ser considerada a possibilidade de desdobramento em áreas de provável emprego.


Embarcação de Assalto Ribeirinho – EAR

Quanto às ameaças, percebe-se que os principais fatos geradores de crise ou de conflito na Amazônia são de caráter difuso: agressões ao meio ambiente (garimpo, exploração ilegal de madeira, incêndios etc) ou a grupos indígenas; crimes trasnacionais (contrabando, narcotráfico, terrorismo); ou a atuação de forças estrangeiras, sejam elas regulares ou não. Assim, deve ser considerada a possibilidade de constituir diferentes tipos de GptOpFuzNav, organizados por tarefas, de acordo com estas variadas ameaças possíveis, mas, sempre, a partir de uma estrutura básica comum, que proporcione elementos de manobra, meios para comando, controle e inteligência e apoio logístico.

A disponibilidade de recursos vislumbrada é coerente com o estágio de desenvolvimento do País, com as prioridades estabelecidas pela sociedade e com a situação econômicofinanceira do Governo, refletida no orçamento da Marinha. Esse conjunto de condicionantes reduz a possibilidade de se dispor de unidades especializadas, em número suficiente para cumprir as variadas tarefas inerentes a cada Hipótese de Emprego. Tal empreitada demandaria recursos e que seja otimizada a utilização de recursos já existentes – instalações e material. Deve ser considerado, ainda, que não está previsto o aumento do efetivo autorizado, de modo que esta ampliação ocorrerá com a redução de Tabelas de Lotação em outras OM, voltadas para atividades de apoio, preservando-se a capacitação para prover a Força Pronta valor Unidade Anfíbia de Fuzileiros Navais e um Batalhão para emprego em Operações de Paz, com outro BtlInfFuzNav e apoios para recompletamento.

Para atender os fatores acima mencionados, o BtlOpRib deverá estar em condições de constituir GptOpFuzNav com as características inerentes ao Poder Naval – mobilidade, flexibilidade, permanência e versatilidade – e capaz de ser empregado rapidamente, pressupondose, para tanto, um elevado nível de prontidão, não sendo desejável depender de meios do Rio de Janeiro.

MISSÃO

O GptFNMa tem como missão “Realizar OpRib, prover guarda e proteção às Instalações Navais e Civis de interesse da Marinha na região, realizar ações de Segurança com apenas uma Companhia de Fuzileiros Navais (CiaFuzNav) e reduzidos meios de apoio ao combate e apoio de serviços ao combate, a participação em OpRib fica muito limitada e dependente de reforços oriundos da Força de Fuzileiros da Esquadra (FFE), situada no Rio de Janeiro. Assim, a ampliação para Batalhão, com três CiaFuzNav, proporcionará uma maior capacitação para OpRib. Quanto aos apoios, é preciso definir quais deverão ser orgânicos do BtlOpRib e quais poderão constituir reforço da FFE, o que será analisado mais à frente.

As tarefas relativas à formação de SD-FN e MN-RC poderão ser reavaliadas. Não é desejável que uma Unidade voltada para atividades operativas tenha atribuições de Unidade de Ensino, que requer pessoal especializado e que certamente desviará recursos humanos, materiais e financeiros da atividade-fim. Além disso, as instalações hoje ocupadas pelo Curso de Formação de Soldado (C-FSD) e pela Escola de Formação de Reservistas Navais serão necessárias para acolher o aumento de efetivo e de inventário de material, para evitar a construção de novos prédios. Assim, é válido considerar que estas tarefas sejam transferidas para outras Unidades, como o Centro de Instrução e Adestramento de Brasília (CIAB), para os SD-FN, e o Centro de Adestramento da Ilha da Marambaia (CADIM), para os MN-RC, ambas em condições receber mais recrutas. Todavia, é importante que o recrutamento seja mantido na região, para assegurar SD e MN aclimatados e grandes  conhecedores das peculiaridades locais.

CONCEPÇÃO DO EMPREGO

A concepção do emprego abrange o detalhamento das tarefas previstas e o estabelecimento de requisitos a serem atendidos. A tarefa de realizar OpRib tem como desdobramento o emprego em ForTaRib para:

- buscar e destruir o inimigo;
- controlar pontos críticos nas margens e localidades;
- prover segurança a instalações logísticas e à própria ForTaRib, contra ameaças provenientes das margens;
- contribuir para o controle do tráfego fluvial; e
- realizar as atividades de inteligência necessárias às operações.

A preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio significa o emprego em controle de distúrbios civis e na defesa do patrimônio da União, particularmente instalações de interesse do Poder Marítimo.

O apoio à ação de órgãos públicos contra delitos transnacionais e ambientais é caracterizado pelo emprego em patrulhas fluviais e terrestres para apoiar forças policiais no combate a contrabandistas de armas, narcotraficantes, terroristas e predadores do meio ambiente.

Os requisitos a serem atendidos pelos GptOpFuzNav são: manobra; proteção; comando, controle e inteligência; interoperabilidade; apoio de fogo; logística; mobilidade e contramobilidade.

O requisito manobra será atendido pela constituição de GptOpFuzNav valor BtlInfFuzNav, com adestramento em ambiente de selva, combate em localidade, controle de vias fluviais e margens adjacentes e ações de contraguerrilha. A proteção será assegurada pela utilização de embarcações de alta velocidade e com blindagem contra fogo de armas portáteis, de equipamentos de visão noturna e de técnicas apuradas para camuflagem, além de o emprego de técnicas de ação imediata.

Para comandar e controlar as peças de manobra, sistemas de C2 integrados, a bordo e em terra, com capacidade de transmissão de dados e voz nas Redes de Comando e Tática até nível CiaFuzNav, Redes em HF e VHF nos níveis Btl e Cia, bem como equipamentos de comunicações até nível GC, tendo em vista a descentralização das ações. Para ampliar a capacidade de inteligência,  sensores para aquisição de alvos e tropa e material para reconhecimento especializado (OpEspFuzNav).

A interoperabilidade poderá ser proporcionada pela compatibilidade das comunicações da tropa com os navios, embarcações, aeronaves e tropa do EB, além da harmonização de vocabulário entre as três Forças. Para o apoio de fogo, é desejável dispor de:

- metralhadoras, para reforçar as ações antipessoal (AP), anti-embarcações e AAe das CiaFuzNav, Postos de Comando (PC) e instalações logísticas;
- morteiros e armamento anticarro, para reforçar as ações AP e contribuir para o controle fluvial realizado pela ForTaRib;
- armamento AAe (MSA), para proteção das CiaFuzNav, PC, instalações logísticas e, eventualmente, dos navios da ForTaRib.


Lancha Patrulha Fluvial – LPF

O requisito Logística será atendido de acordo com cada uma das suas funções. O Abastecimento deverá assegurar que tropa até valor Btl tenha relativa auto-suficiência em terra, prevendo-se também reabastecimento a partir dos navios. O apoio de Saúde com um EF por Grupo de Combate (GC), devido à descentralização das ações, e com disponibilidade de helicópteros (He) e embarcações para assegurar rápida evacuação das baixas. O Transporte, com viaturas operativas visando distribuição de suprimentos nas áreas de atuação quando isto for possível; navios, complementados com a mobilização de embarcações civis, para GptOpFuzNav de valor Btl; e aviões, para evacuação de baixas, para Manaus ou Belém, a partir de aeroportos locais. Quanto à Manutenção, enfatizar os procedimentos preventivos, tendo em vista as distâncias dos Órgãos Logísticos, e prever itens para substituição, diminuindo a dependência da Mnt corretiva para meios críticos.

A Mobilidade será alcançada com embarcações, He e elementos de Engenharia de Combate (EngCmb). Embarcações para ações fluviais (bloqueio, reconhecimento, segurança, inspeção) ou MNT, empregando uma CiaFuzNav(Ref), em uma vaga, cada embarcação transportando tropa valor GC; ações em águas restritas ou MNT de uma CiaFuzNav(Ref), também em uma vaga, cada embarcação transportando tropa valor ET; infiltração de Equipes de OpEspFuzNav, devendo estas embarcações serem transportáveis pelos He disponíveis na área; e emprego de Engenharia de Combate. He para MNT de um PelFuz(Ref) em uma vaga, com os GC descentralizados; infiltração de elementos de reconhecimento; evacuação de baixas; apoio de comunicações; e observação aérea para apoio de fogo. Às frações EngCmb caberá a remoção de campos de minas
e armadilhas e o agravamento ou construção de obstáculos, dificultando a mobilidade das forças adversas.

ORGANIZAÇÃO

Quando a FFE organiza um GptOpFuzNav, seja ele nucleado em um BtlInfFuzNav ou uma CiaFuzNav, a sua constituição prevê, normalmente, reforços de apoio ao combate e de apoio de serviços ao combate. Ora, no caso do BtlOpRib, a MB deve possuir na região uma Força com nível de prontidão que permita emprego rápido, com mobilidade tática e estratégica, não podendo, portanto, depender de reforços da FFE. As tarefas realizadas pelos apoios – reconhecimento (OpEsp), engenharia de combate e defesa aérea – exigem íntimo contato com o terreno, sendo sensivelmente influenciadas pela vegetação, pelos recursos locais e pelas condições climáticas. Todavia, os elevados custos para aquisição de determinados meios, como os mísseis AAe, pode vir a restringir os elementos organizacionais localmente disponíveis.

Tendo em vista a missão proposta, as condicionantes de emprego, a importância da modularidade com a FFE e os requisitos a serem atendidos, visualiza-se a organização prevista para os BtlInfFuzNav, com as seguintes modificações: acréscimo de Pelotões de Operações Especiais, de Mísseis AAe, de Polícia e de Pioneiros, e ampliação da atual Seção de Transportes para Pelotão, com a inclusão de uma Seção de Embarcações. O Pelotão de Polícia foi incluído não apenas pelas tarefas inerentes à Segurança Interna, às Guardas e Representações, mas também, porque nas OpRib será empregado no controle de localidades e nas tarefas operativas de Polícia.


Lancha de Assalto Rápida - LAR.


Conforme mencionado, considerando-se as restrições orçamentárias, esses apoios podem ser reduzidos. Uma proposta seria manter o reforço de mísseis AAe oriundo da FFE e diminuir o valor das frações dos apoios, como Polícia e Pioneiros. Também o material do PelAC, que utiliza o míssil Bill, deve ser avaliado, haja vista seu emprego contra embarcações e não contra carros de combate. Talvez o próprio AT-4 ou um armamento tipo Carl Gustav seja mais apropriado às características ambientais e às prováveis ameaças.

ADESTRAMENTO

Os requisitos impostos ao BtlOpRib para capacitá-lo a desenvolver suas tarefas impõem a alocação de significativo tempo da tropa para atividades de adestramento, em razão da diversidade de ações a serem desenvolvidas e da dependência de uma perfeita aclimatação da tropa ao ambiente amazônico. Para tanto, é importante prever ciclos para as CiaFuzNav, com seus reforços doutrinários, que contemplem:

- adestramento em áreas próximas de Manaus;
- atividades administrativas de quartel, serviços de guarda e pronto emprego; e
- desdobramento em localidades afastadas, e em navios do CNAO, conforme suas capacidades de embarque e tarefas atribuídas.

É importante, também, que sejam realizados dois exercícios de OpRib durante o ano, empregando todos os meios do BtlOpRib, sendo, nestas oportunidades, garantida a integração com os meios navais e aeronavais do CNAO e com o EB e a FAB.

Para assegurar maior disponibilidade para o adestramento e reduzir o emprego de tropa em serviços de guarda, deve ser visualizado o emprego de meios eletrônicos de vigilância.

CONCLUSÃO

A reestruturação do GptFNMa em BtlOpRib representa significativa ampliação da presença da Marinha e das FA na Amazônia, contribuindo de forma inequívoca para a Política de Defesa Nacional. Todavia, a real ampliação do poder de combate da MB na Amazônia pressupõe a existência de meios navais e aeronavais que, integrados aos GptOpFuzNav, possibilitarão, efetivamente, a projeção de Poder Naval onde se fizer necessário. Para tanto, é preciso incrementar a quantidade de Navios Patrulha e embarcações para ações fluviais e dotar o Terceiro Esquadrão de Helicópteros de Emprego Geral com aeronaves de maior porte. Além disso, a disponibilidade do pessoal, prioritariamente, para atividades de adestramento, é fator fundamental para o desejável nível de preparo e aprestamento do BtlOpRib.

Outro aspecto importante a ser considerado diz respeito à integração com o Exército Brasileiro e a Força Aérea Brasileira. O ambiente amazônico, a flexibilidade e a versatilidade que devem possuir as Forças Militares para as missões visualizadas e o avanço tecnológico são fatores que apontam para o emprego de Forças combinadas para melhor proteger a Amazônia. Assim, é mister que exercícios combinados sejam desenvolvidos, para assegurar que ações antagônicas sejam devidamente neutralizadas.

Como principal óbice para ampliar a presença da Marinha na Amazônia é mencionada a limitação de recursos. Esta deve ser minimizada com engenho e arte. Além disso, o futuro incerto e as ameaças difusas nos trazem à lembrança as palavras do Marechal-do-Ar Eduardo Gomes – “O preço da liberdade é a eterna vigilância”. Quando a sociedade necessitar do Poder Naval para prover sua defesa, este deverá estar convenientemente preparado para enfrentar a ameaça aos interesses nacionais – e será tarde demais para tentar prover os recursos necessários. A guerra é evitada hoje, durante a paz. Amanhã poderá não haver mais o que defender.


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